Os equívocos de Aleluia!
«Por vezes, o livro incorre em equívocos: o catolicismo não é, em abstracto, mais sombrio do que o protestantismo, depende dos contextos teológicos e geográficos; certas características “neopentecostais” estão bastante presentes em grupos “carismáticos”católicos; e não é mesmo possível tratar como “doutrinariamente sãs” doutrinas tão diferentes como o intelectualismo bíblico dos baptistas e a arenga de televendas de alguns “evangélicos.”»
Pedro Mexia, Expresso
Agradecendo ao Pedro Mexia a leitura que fez do meu livro, Aleluia!, quero, no entanto, discutir estes equívocos em que o livro, de acordo com o crítico, incorre.
Só por uma vez refiro o carácter sombrio do catolicismo em oposição a certas práticas das igrejas neopentecostais. Não digo que o catolicismo é, em abstracto, mais sombrio, até porque falo do “nosso” catolicismo. Ainda assim, poder-se-á argumentar que nem sequer o “nosso” catolicismo é mais sombrio, ou menos, ou outra coisa qualquer, porque haverá sempre uma igreja, um padre ou um fiel que não correspondem a essa descrição. Como é fácil de compreender, isso dificultaria em muito qualquer discussão sobre este tema. Para se perceber então o contexto em que aquela afirmação aparece no livro, transcrevo o excerto: “Não são apenas as gargalhadas no final dos cultos que causam estranheza. Em 2001, o jornal online Urbi et Orbi, da Universidade da Beira Interior, publicou uma reportagem sobre igrejas evangélicas na Covilhã. Uma das fiéis, jovem baterista de 24 anos, dizia que abandonara a Igreja Católica por achar que era «muito monótona. Não podíamos fazer barulho, enquanto aqui há louvor e alegria». À primeira vista pode parecer um motivo fútil, mas esta relação musical com a religião, a intensidade medida pelos decibéis, é cativante porque representa uma forma descontraída e alegre de viver a fé que contrasta com o nosso catolicismo sombrio e punitivo. Contra a depressão, o louvor.”
Quando Mexia afirma que “certas características neopentecostais [eu diria pentecostais] estão presentes em grupos carismáticos católicos” não sei qual é o equívoco em que o livro incorre. Na página 26 pode ler-se: “Oitenta anos depois, em Portugal, a realidade das Assembleias de Deus afastara-se das origens febris da rua Azusa, numa altura em que o movimento pentescostal continuava a crescer a um ritmo frenético no resto do mundo e acabava por influenciar, de forma mais ou menos directa, outras denominações evangélicas e mesmo algumas correntes carismáticas no interior do catolicismo.”
Quanto ao terceiro equívoco, a expressão “doutrinariamente sãs” [em referência às igrejas evangélicas baptistas] não é um termo para separar os baptistas dos outros mas utilizado internamente quando, por exemplo, um pastor baptista promove alterações na sua igreja que a afastam da “sã doutrina”. Creio que, neste ponto, serão os próprios pastores baptistas as pessoas mais indicadas para explicar o conceito e admito que a minha interpretação possa ser equívoca.
No entanto, há várias passagens no livro em que as diferenças doutrinárias entre protestantes tradicionais [e até menos tradicionais] e os “pseudo-pastores” de "televendas" são referidas. Não interessa a minha opinião, apesar de no último capítulo ela ser evidente, mas a opinião das pessoas com quem falei e que reafirmaram as diferenças doutrinárias entre os vários movimentos. Esta é uma afirmação de João Viegas: «Eu estudei a Bíblia. Posso discutir teologia com um padre, mas com um desses pastores das neo-pentecostais não há discussão possível, não têm bases.» Este é um excerto sobre Tiago Cavaco: «Por exemplo, Tiago considera que, de um ponto de vista teológico, os neo-pentecostais estão errados. Tal como João Viegas se sente mais à vontade a debater com um padre do que com um pastor neo-pentecostal, Tiago também considera que «um evangélico estará sempre mais próximo de um bom católico». E este é sobre o pastor Jorge Leal: “«No meu tempo, havia nas aldeias a figura do tolinho, a quem se permitia que dissesse tudo, todas as verdades, sem ser punido.» Para o pastor Leal, igrejas como a IURD e a Maná fizeram o papel do tolinho e, graças a essa actuação, chegaram às pessoas a quem a mensagem se destinava.»
Resumindo: não serei eu a determinar que igrejas ou movimentos são doutrinariamente sãos nem o procurei fazer. Tenho a minha opinião sobre alguns desses movimentos e sobre alguns desses pastores e que, provavelmente, não será diferente da do Pedro Mexia ou da opinião destes três pastores (ainda que para alguns, por exemplo, o João Viegas possa ser considerado um pseudo-pastor) com quem falei. Mas independentemente das fragilidades doutrinárias é incontestável, na minha opinião, que a IURD representou um papel fundamental na alteração do panorama religioso português. E em consciência eu não podia desvalorizar esse papel só porque doutrinariamente a IURD não me parece tão sólida (e reforço que, neste caso, a minha avaliação sobre a solidez doutrinária vale muito pouco) quanto as igrejas protestantes tradicionais. Arrisco uma comparação: interessa menos o teor das publicações de Larry Flynt do que a importância que ele teve na defesa da liberdade de expressão.