Diário de um agente em Nicósia
Dia 1 – Chegámos hoje a Nicósia. A viagem correu sem incidentes. O nosso contacto esperava-nos no aeroporto. Segurava uma folha A4 à altura do peito: “Mr. Stewart e Ms. Novak” Não era a melhor forma de não sermos notados. Ideias do chefe que passa as tardes a ver filmes dos anos 50. Entrámos no carro, um Ford Cortina de 1973, e atravessámos a cidade até chegar à pensão mais reles do hemisfério norte. O nosso contacto despediu-se com a indicação de que se precisássemos dele bastava ir ao bar Sinema Nostalji e pedir para falar com Mr. Lancaster. O gerente da pensão, de uma languidez meridional, entregou-nos a chave por entre sorrisinhos lúbricos de proxeneta. Ms. Novak não gostou e, por momentos, pensei que o cipriota viesse a conhecer o mesmo destino do talhante de Tallin. Subimos. Uma vez mais teríamos de dormir juntos. Na categoria das mulheres cuja tese de doutoramento é sobre o Finnegan’s Wake, Ms. Novak é seguramente a mais apetecível. Infelizmente, Ms. Novak nunca leu um livro, o que elimina qualquer vestígio de angústia quando contemplo as formas arredondadas do seu belo traseiro. Tomámos um banho, separados e eu depois dela, o que significa que Ms. Novak apanhou a água ferrugenta e eu a fria. Saímos para um passeio de reconhecimento. As ruas de Nicósia parecem-se com as de qualquer outra cidade cipriota. Disse isto a Ms. Novak embora ela soubesse que eu nunca tinha estado no Chipre. Inventei que os arquitectos eram maçónicos (o que me pareceu plausível) e que o centro da cidade tinha sido projectado para que, visto do céu, indicasse as coordenadas precisas da localização do Santo Graal. Ela não percebeu e eu fiquei a pensar que raio de ignorância não contém em si mesma o fascínio pelo Santo Graal, o mistério das Pirâmides do Egipto e o Triângulo das Bermudas. Ms. Novak, devo dizê-lo, é um caso de ignorância com o desdém das pessoas cultas por aquelas mistificações. Na rua, à porta dos cafés, notámos que pessoas adultas jogavam à macaca. Meti conversa com o vendedor de jornais que me explicou que agora é proibido jogar à macaca no interior de edifícios públicos e de estabelecimentos comerciais. Ms. Novak olhou-me com a impaciência iridescente dos seus olhos azuis-Lazio (à época de Giuseppe Signori). Estávamos a desviar-nos do objectivo, disse-me. Eu discordei. Como ainda não sabíamos qual era o objectivo, andar à toa pelas ruas de Nicósia tanto poderia desviar-nos como aproximar-nos do objectivo. Para exemplificar, desenhei um enorme círculo no chão e peguei em duas pedras para nos representarem. Eu sabia que a minha ideia assentava num sólido princípio matemático mas não consegui demonstrá-lo. Nunca lamentei tanto a minha formação em Humanidades.