Quem sou aquele?
Vez por outra, ainda me vêm terrores de adolescência, pânicos nocturnos, medo de que tudo acabe. E tudo acabará. Ninguém nos pode salvar dessa solidão funda, em que não existe nada entre o mundo e a nossa consciência. Tudo se apaga: os outros, as pequenas alegrias, as vitórias medíocres com que julgamos dar sentido e futuro ao que somos, as frivolidades com que nos enganamos. Nesses momentos, nem sequer as rotinas – esse sustentáculo férreo e sem espírito da nossa vida que tantas vezes camufla o vazio – evitam o colapso. Somos apenas nós e a consciência de que tudo finda. Vem, então, a memória, como um bálsamo retemperador, que primeiro dói, depois pacifica. Aquele sou eu. Seis anos, a primeira bicicleta, um Verão que já só existe naquela fotografia, na minha mágoa de ter sido aquele. No fim desse ano, quando já era Inverno, a minha mãe partiu. Foi trabalhar para o estrangeiro. Na manhã fria em que ela se foi embora, fiquei deitado na minha cama. A minha avó voltou e, para amenizar o meu sofrimento, trazia duas revistas da Abelha Maia. Fraca consolação. À tarde, na rua, vi ao longe a minha mãe. Era ela, com o casaco branco que comprara para enfrentar os rigores de um Inverno distante. Era ela, tive tanta certeza. Claro que não era. Era apenas eu a querer ser mais forte do que a implacável engrenagem do tempo e do espaço. Eu a querer que a minha mãe estivesse ali, como uma aparição, uma mentira. Mas ela já não estava. Era só eu, eu só. Descobri nesse dia o que era a morte, sem que ninguém tivesse morrido. Descobri, no momento em que acordei e a minha mãe já não estava ali, o que era a solidão. Descobri, naqueles segundos em que julguei ver a minha mãe para logo perceber que não era ela, o mal que a esperança nos pode fazer. E todas essas verdades reveladas abruptamente eram demasiado pesadas para aquele que está ali, a segurar a primeira bicicleta no último Verão antes de mim.