Saltar para: Post [1], Comentar [2], Pesquisa e Arquivos [3]

Circo da Lama

"Se ele for para a Suiça, não lhe guardo as vacas", David Queiroz, pai de António, vencedor da Casa dos Segredos

"Se ele for para a Suiça, não lhe guardo as vacas", David Queiroz, pai de António, vencedor da Casa dos Segredos

Circo da Lama

31
Jul11

Quem sou aquele?

Bruno Vieira Amaral

 

 

Vez por outra, ainda me vêm terrores de adolescência, pânicos nocturnos, medo de que tudo acabe. E tudo acabará. Ninguém nos pode salvar dessa solidão funda, em que não existe nada entre o mundo e a nossa consciência. Tudo se apaga: os outros, as pequenas alegrias, as vitórias medíocres com que julgamos dar sentido e futuro ao que somos, as frivolidades com que nos enganamos. Nesses momentos, nem sequer as rotinas – esse sustentáculo férreo e sem espírito da nossa vida que tantas vezes camufla o vazio – evitam o colapso. Somos apenas nós e a consciência de que tudo finda. Vem, então, a memória, como um bálsamo retemperador, que primeiro dói, depois pacifica. Aquele sou eu. Seis anos, a primeira bicicleta, um Verão que já só existe naquela fotografia, na minha mágoa de ter sido aquele. No fim desse ano, quando já era Inverno, a minha mãe partiu. Foi trabalhar para o estrangeiro. Na manhã fria em que ela se foi embora, fiquei deitado na minha cama. A minha avó voltou e, para amenizar o meu sofrimento, trazia duas revistas da Abelha Maia. Fraca consolação. À tarde, na rua, vi ao longe a minha mãe. Era ela, com o casaco branco que comprara para enfrentar os rigores de um Inverno distante. Era ela, tive tanta certeza. Claro que não era. Era apenas eu a querer ser mais forte do que a implacável engrenagem do tempo e do espaço. Eu a querer que a minha mãe estivesse ali, como uma aparição, uma mentira. Mas ela já não estava. Era só eu, eu só. Descobri nesse dia o que era a morte, sem que ninguém tivesse morrido. Descobri, no momento em que acordei e a minha mãe já não estava ali, o que era a solidão. Descobri, naqueles segundos em que julguei ver a minha mãe para logo perceber que não era ela, o mal que a esperança nos pode fazer. E todas essas verdades reveladas abruptamente eram demasiado pesadas para aquele que está ali, a segurar a primeira bicicleta no último Verão antes de mim.

Comentar:

Mais

Se preenchido, o e-mail é usado apenas para notificação de respostas.

Este blog tem comentários moderados.

Este blog optou por gravar os IPs de quem comenta os seus posts.

Seguir

Contactos

Subscrever por e-mail

A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.

Arquivo

  1. 2019
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  14. 2018
  15. J
  16. F
  17. M
  18. A
  19. M
  20. J
  21. J
  22. A
  23. S
  24. O
  25. N
  26. D
  27. 2017
  28. J
  29. F
  30. M
  31. A
  32. M
  33. J
  34. J
  35. A
  36. S
  37. O
  38. N
  39. D
  40. 2016
  41. J
  42. F
  43. M
  44. A
  45. M
  46. J
  47. J
  48. A
  49. S
  50. O
  51. N
  52. D
  53. 2015
  54. J
  55. F
  56. M
  57. A
  58. M
  59. J
  60. J
  61. A
  62. S
  63. O
  64. N
  65. D
  66. 2014
  67. J
  68. F
  69. M
  70. A
  71. M
  72. J
  73. J
  74. A
  75. S
  76. O
  77. N
  78. D
  79. 2013
  80. J
  81. F
  82. M
  83. A
  84. M
  85. J
  86. J
  87. A
  88. S
  89. O
  90. N
  91. D
  92. 2012
  93. J
  94. F
  95. M
  96. A
  97. M
  98. J
  99. J
  100. A
  101. S
  102. O
  103. N
  104. D
  105. 2011
  106. J
  107. F
  108. M
  109. A
  110. M
  111. J
  112. J
  113. A
  114. S
  115. O
  116. N
  117. D
  118. 2010
  119. J
  120. F
  121. M
  122. A
  123. M
  124. J
  125. J
  126. A
  127. S
  128. O
  129. N
  130. D
  131. 2009
  132. J
  133. F
  134. M
  135. A
  136. M
  137. J
  138. J
  139. A
  140. S
  141. O
  142. N
  143. D