Jean-Claude van Damn, he's good!
Eu sei que deveria ter passado a minha infância a ler Salgari, Verne e Blyton (“Salgari, Verne e Blyton, boa tarde, em que posso ajudar?”). Aos 10 anos teria apanhado tuberculose, aos 11 ainda faria chichi na cama e teria uma mãe carinhosa e um pai severo. Teria sempre uma pontinha de febre e as faces rosadas, exigiria toda a atenção materna e secretamente desejaria que o papá tropeçasse nas escadas da nossa bela mansão vitoriana e tivesse uma morte imediata com o máximo sofrimento entretanto. Aos 12, eu teria lido A Montanha Mágica em alemão e teria uma paixoneta por um priminho atlético e muito burro, que teria um fim trágico quando uma granada da 1ª Guerra Mundial rebentasse nas suas mãos ineptas. Aos 20 anos eu estaria na Faculdade de Letras e teria uma amiga chamada Clarisse, com quem passaria as tardes no relvado do Campo Grande a fazer-lhe trancinhas. Ela apaixonar-se-ia por um belo rapaz e eu daria cabo do romance ao não entregar o bilhetinho em que ele confessava o seu amor por Clarisse e avisava que ia para o sul de França durante uns meses mas que quando voltasse planeava casar com ela. Desgostosa, pensando que ele a tinha abandonado, Clarisse iria para um convento e nunca mais ninguém ouviria falar dela. Eu passaria o resto da minha vida numa pequena casa no Alentejo com uma criada preta e gorda de nome Abigail. Teria horríveis pesadelos, assombrados pelo fantasma de Clarisse, e acabaria por escrever um livro em que assumiria a culpa por tudo o que acontecera. Morreria aos 114 anos, em paz e vivendo da bondade de estranhos. Infelizmente, tive uma infância suburbana, cheia de telenovelas, Pássaros Feridos e filmes do Jean-Claude Van Damme. Resta-me pouco tempo para escrever um argumento que conta a história de 4 irmãos (papéis a serem entregues a Mickey Rourke, van Damme, Jack Scalia e José Wilker) e em que, forçosamente, terei de incluir Richard Chamberlain num papel qualquer em cadeira de rodas. É pois com todo o prazer que anuncio a reabilitação crítica de Jean- Claude Van Damme. Aqui.