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Circo da Lama

"Se ele for para a Suiça, não lhe guardo as vacas", David Queiroz, pai de António, vencedor da Casa dos Segredos

"Se ele for para a Suiça, não lhe guardo as vacas", David Queiroz, pai de António, vencedor da Casa dos Segredos

Circo da Lama

31
Jan09

Cinema Lusitano

Bruno Vieira Amaral

Circunstâncias que revelarei em sede própria levaram-me ao visionamento de um filme pornográfico português. Cada um à sua maneira, todos os filmes portugueses são pornográficos. Aquele que eu vi é pornográfico no sentido "damianiano" (de Gerard "Deep Throat" Damiano). Comecemos pelo título: "Xana - a empresária do Montijo". Poderia ser "Alexandra - a badalhoca da Faculdade de Letras", "Xaninha - a indecorosa chefe de repartição"; não é. Xana é um diminutivo que não se diminui, conspurca-se. Relacionado com actividades empresariais na Margem Sul adquire uma dimensão de crítica social, realçando que o que falta a este país não é mais Estado mas mais empreendedorismo. Xana é mulher, é empresária, é da Margem Sul. Dá para perceber que isto não é só pornografia.

 

O filme divide-se em três partes que não estão ligadas entre si (essa é a função dos actores). Quem já viu New York Stories percebe a intenção do realizador. Alguns elementos conferem unidade dramática ao conjunto, mas podemos falar em "quadros" independentes que continuam a ser compreensíveis quando vistos isoladamente. O primeiro segmento é o que dá o título ao filme. São três personagens (começa a notar-se um padrão relacionado com o número três): Xana e dois cavalheiros, um dos quais permanece de meias calçadas o filme todo. Os diálogos não se percebem muito bem. Isto diz muito sobre o grande respeito do realizador pelos espectadores, o que não é muito usual no nosso país. Não se queixa das deficiências técnicas, conhece as condições de visionamento deste tipo de filmes (volume no mínimo), assume a fraca vocação dos nossos guionistas para escrever diálogos convincentes. O que terá dito Bill Murray a Scarlett Johansson no final de Lost in Translation? As gerações futuras continuarão a interrogar-se sobre o que Xana diz ao homem das meias brancas. Enquanto eu pensava nisto, Xana já estava a ser duplamente penetrada - a velha questão do triângulo amoroso. Realce para o desempenho dos dois actores masculinos. O que se despojou das meias é um espanto de técnica. Influenciado pelo Método cai por vezes no overacting, mas temos de o desculpar. Consta que se terá preparado durante quinze anos para este papel, vivendo como um anónimo empregado de balcão numa pastelaria de Corroios. O outro é mais introspectivo. As meias sempre nos pés lembram-nos que mesmo nas condições mais extremas há valores de que um homem não deve abdicar, sobretudo se não tiver cortado as unhas. Toda a acção (e há muita) decorre na sala de estar (huis-clos, unidade de espaço, estes tipos não são amadores) e termina de uma forma brusca, confrontando o espectador com o seu voyeurismo ignóbil (Michael Haneke paira sobre este final).

 

A segunda parte, com outros actores, insiste na temática da mulher dividida entre dois homens. O cenário é minimal: uma secretária e um telefone. Quem pensar que aquilo é um t1 nas Olaias esvaziado de mobília para a rodagem de um filme pornográfico não percebe nada de Lars von Trier (cf. Dogville). Estamos num escritório e continuamos com uma consciência social aguda (o empresariado do Montijo, um escritório), um olhar clínico sobre a sociedade moderna. Para além disso, a secretária não é apenas mobiliário. Tem uma função dramática que se revela na cena em que a protagonista a utiliza para apoiar os antebraços. Neste momento, saltei para a última cena (tinha de entregar a crítica a tempo de ser publicada hoje).

 

O último segmento é Eyes Wide Shut do início ao fim. Os actores são um casal na vida real e expõem a sua intimidade com uma pungência raramente vista em obras deste quilate. Ela é branca e ele é negro (Febre da Selva, pois claro!). A ideia do realizador é provar que a fealdade não escolhe raças. Notam-se a cumplicidade e os sentimentos, mormente na cena de sexo anal. Aquilo é a vida real com os seus azares, rotinas e colchas foleiras. Não me recordo do final, mas creio ter percebido a ideia.

 

Quem comprar este filme com intuitos meramente onanistas terá uma grande desilusão. Eu fiz o mesmo com a obra de Godard e até hoje não recuperei. Mas se virem o filme com a paixão de um cinéfilo descobrirão uma autêntica pérola. Two thumbs up!

 

28
Jan09

Naturalidades de uma existência

Bruno Vieira Amaral

Deus existe? Em caso afirmativo, como justificar o sofrimento humano e o Seixal? Por outro lado, se Deus não existe, alguém pregou uma partida a Abraão. Quem? Uns tipos. Em Espanha, os evangélicos contra-atacaram e já há uma mensagem a garantir que Deus existe e que acha estúpidas estas campanhas em autocarros. Imaginam uma faixa numa Igreja com estes dizeres: "A Carris existe. Só não cumpre os horários"? Melhor: "Os TST existem. Ainda precisamos do Inferno?". Carlos Esperança, presidente da Associação Ateísta Portuguesa, quer trazer a campanha para Portugal. O nome do senhor presta-se a umas piadas mas vamos ter esperança que ninguém se aproveite disso. A verdadeira questão não é saber se Deus existe, mas saber se a estupidez humana tem limites. Qual a utilidade de uma campanha a dizer que Deus não existe? É um incentivo para fazermos seguros de vida? Quanto à campanha em sentido contrário, lembro-me que quando eu era criança, os crentes tentavam provar a existência de Deus através das maravilhas da Natureza (as cataratas do Niagara, as Berlengas). Agora, estão rendidos ao marketing: "Deus existe. Promoção até 28 de Fevereiro". "Deus existe. Isenção de pagamento de jóia para novos aderentes". Pode ser que Ele se farte e pague uma página de publicidade no New York Times: "God exits".

27
Jan09

Individualismo

Bruno Vieira Amaral

"Nathan Hale disse, 'Lamento ter uma só vida para dar ao meu país'. Bem, eu lamento ter só uma vida para dar a mim próprio!"


Clint Eastwood, "Um Homem com passado", Cinemateca Portuguesa

25
Jan09

A prostituta de Mensa

Bruno Vieira Amaral
Paula Lee, nome que promete acrobacias de ginasta olímpica, é a call-girl mais solicitada do país. A informação consta de uma reportagem publicada hoje na revista Única. Como é que o jornalista terá confirmado o facto é um mistério. Tentativa e erro? Instituto Nacional de Estatística? Haverá um sindicato que disponibiliza esse tipo de informação? A dúvida permanecerá e não serei eu a desfazê-la. Por uma questão de princípios, não conheço os prazeres do sexo pago. E mesmo que a menina Lee me convencesse a abdicar dos meus sólidos princípios, não seria tão fácil aliviar-me dos 500 euros/hora que ela cobra aos seus frequentadores. Sucede que a menina Lee atrai muitos intelectuais. É fama que lê Henry Miller. Caros intelectuais, ler Opus Pistorum não prova o génio de Lee; no sector em que ela exerce actividade chama-se a isso formação profissional. Tragam-me uma prostituta que leia Crítica da Razão Pura para matar o tempo e eu juro que peço um empréstimo à Caixa Geral de Depósitos. Outro dos méritos da menina Lee é que, apesar de criada numa família evangélica, ia à missa. Foi assim que descobriu que um dos seus clientes era padre. Quando li isto, fiquei petrificado e ainda não estou completamente refeito do choque. Quem diria que no país profundo há padres intelectuais e a ganhar tão bem?
 
A menina Lee é uma mulher extraordinária que também lê um escritor colombiano de nome García Marquez. Nunca ouvi falar. Alguém terá a bondade de me dizer o nome do seu último romance? Agradecido.
 
Publicado originalmente aqui.
23
Jan09

Jean-Claude van Damn, he's good!

Bruno Vieira Amaral

Eu sei que deveria ter passado a minha infância a ler Salgari, Verne e Blyton (“Salgari, Verne e Blyton, boa tarde, em que posso ajudar?”). Aos 10 anos teria apanhado tuberculose, aos 11 ainda faria chichi na cama e teria uma mãe carinhosa e um pai severo. Teria sempre uma pontinha de febre e as faces rosadas, exigiria toda a atenção materna e secretamente desejaria que o papá tropeçasse nas escadas da nossa bela mansão vitoriana e tivesse uma morte imediata com o máximo sofrimento entretanto. Aos 12, eu teria lido A Montanha Mágica em alemão e teria uma paixoneta por um priminho atlético e muito burro, que teria um fim trágico quando uma granada da 1ª Guerra Mundial rebentasse nas suas mãos ineptas. Aos 20 anos eu estaria na Faculdade de Letras e teria uma amiga chamada Clarisse, com quem passaria as tardes no relvado do Campo Grande a fazer-lhe trancinhas. Ela apaixonar-se-ia por um belo rapaz e eu daria cabo do romance ao não entregar o bilhetinho em que ele confessava o seu amor por Clarisse e avisava que ia para o sul de França durante uns meses mas que quando voltasse planeava casar com ela. Desgostosa, pensando que ele a tinha abandonado, Clarisse iria para um convento e nunca mais ninguém ouviria falar dela. Eu passaria o resto da minha vida numa pequena casa no Alentejo com uma criada preta e gorda de nome Abigail. Teria horríveis pesadelos, assombrados pelo fantasma de Clarisse, e acabaria por escrever um livro em que assumiria a culpa por tudo o que acontecera. Morreria aos 114 anos, em paz e vivendo da bondade de estranhos. Infelizmente, tive uma infância suburbana, cheia de telenovelas, Pássaros Feridos e filmes do Jean-Claude Van Damme. Resta-me pouco tempo para escrever um argumento que conta a história de 4 irmãos (papéis a serem entregues a Mickey Rourke, van Damme, Jack Scalia e José Wilker) e em que, forçosamente, terei de incluir Richard Chamberlain num papel qualquer em cadeira de rodas. É pois com todo o prazer que anuncio a reabilitação crítica de Jean- Claude Van Damme. Aqui.

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