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Circo da Lama

"Se ele for para a Suiça, não lhe guardo as vacas", David Queiroz, pai de António, vencedor da Casa dos Segredos

"Se ele for para a Suiça, não lhe guardo as vacas", David Queiroz, pai de António, vencedor da Casa dos Segredos

Circo da Lama

21
Jan09

Diário de um agente em Nicósia – Dia 3

Bruno Vieira Amaral

Choveu em Nicósia. Ms. Novak fez-me saber, da mais indelicada forma, que está com o período. A minha ex-mulher ligou-me. Gritou muito. Não percebi mas creio que tinha qualquer coisa a ver com as Elegias de Duíno ou com o Manuel Luís Goucha. Não, agora recordo-me de tudo: era sobre a pensão de alimentos. Quase a terminar, ameaçou visitar a minha mãe e fazer-lhe uma tarte de amêndoa em latim (acho que foi isso, não sei, a ligação estava má e ela é louca). Quando descemos, o gerente tinha uma mensagem para nós. A amante dele estava a pintar as unhas dos pés. Olhou para mim. Tem aquele olhar de uma sentimentalidade reles, que denuncia as más actrizes, as ninfomaníacas e algumas primas afastadas acabadinhas de perder a virgindade. Ms. Novak leu a mensagem. “Hoje oxigenei três esquilos libaneses – Sheraton, quarto 329.” A nossa organização precisa melhorar alguns aspectos ao nível da comunicação. A chuva era torrencial. Ms. Novak sorriu. Disse-me que a chuva lembrava-lhe aquele filme com o Fred Astaire. Sim. Estou a ver. E não te recorda Vitaly, o javali lituano? Ela não respondeu. Entrámos num táxi. Era um metro e oitenta e oito de taxista, de tez clara e cabelo castanho idem, com um sotaque britânico tão perfeito que ao pé dele o Jeremy Irons parece um sérvio a recitar Milton com a boca cheia de avelãs e mais gay que uma música dos Abba no sistema de som de uma sauna grega. Aquilo não era taxista nem num sonho molhado de Tennessee Williams. Observei Ms. Novak. Sou um admirador da frieza desta mulher. Indicou-lhe o destino mas, a qualquer movimento mais brusco do homem, estava pronta a partir-lhe o pescoço como se a vida dele valesse tanto como um pacote de esparguete do Lidl. O homem, com medo ou porque era mesmo taxista, levou-nos até ao hotel. Deve ter sido medo porque não nos cobrou nada e antes que lhe pudéssemos agradecer já desaparecera no caos de Nicósia. Na recepção, pedimos a chave do quarto 329. Subimos. A porta estava aberta. Ms. Novak respirou fundo. Aproximou-se de mim, certamente para me beijar - um primeiro e último beijo no caso de algo correr mal. Eu não perdi o meu sentido do dever e coloquei o meu indicador nos lábios carnudos de Ms. Novak. Ela, com uma reacção própria das mulheres que não estão habituadas à rejeição, aplicou-me um violento golpe na zona da clavícula. Não tivesse eu por Ms. Novak este respeito quase religioso e a coisa podia ter ficado feia. Felizmente para ela, perdi os sentidos por breves instantes. Não me posso emocionar sem tomar o pequeno-almoço. Quando recuperei, estávamos no quarto. Ms. Novak olhava para umas fotografias que nos tinham sido deixadas dentro de uma mala preta. “Não percebo nada. São fotografias de uma tipa. Parece ser cantora.” Tive uma premonição. Antes de ver as fotografias, eu já sabia que o nosso alvo agora era Cynthia Larissa.

20
Jan09

A ditadura da auto-estima

Bruno Vieira Amaral

Há uns tempos, dei por mim numa sessão de coaching. Já assisti a missas, cultos evangélicos, aulas de astrologia e até a uma conferência da Irmandade Rosa-Cruz. Garanto-vos que nada bate o coaching. O senhor, um brasileiro eloquente e de muito bom aspecto, falou durante 45 minutos. Ainda não ia a meio, já o espírito de José Mourinho descera sobre metade da sala. Temi pela minha segurança. Ao meu lado, um pacato contabilista estava em transe. Repetia as frases, batia palmas ferozes e, procurando arrastar-me para o seu êxtase, dava-me pancadinhas no ombro. Tinha um olhar de possuído. Eu rezava para que ele tivesse o bom senso de ser possuído por Gandhi ou São Francisco de Assis. Quando o espectáculo terminou as pessoas tinham sido arrasadas por um tsunami de auto-confiança. Vi uma senhora a tentar abrir uma porta recorrendo unicamente à sua auto-estima. "Se nos permite subir na vida, também nos permitirá abrir uma porta", pensei. Não resultou. Eu, sempre desconfiado das minhas capacidades, abri a porta com o habitual desprezo por mim próprio.

19
Jan09

Preguiça

Bruno Vieira Amaral

Como hoje estou preguiçoso, decidi plagiar-me a mim próprio. Sou o meu próprio Pierre Ménard, penso de mim para mim. Fiquem com a breve história de Al-Sumad, enquanto não tenho acesso às restantes entradas do diário do agente em Nicósia:

Que não prosperem enganos: Al-Sumad (também Als-umah), filho de Bin Ba’ud (também Bin Ba’ud), era poeta medíocre. Até os camelos se espantavam com a ruindade dos seus versos. Estudou com Mud’amid (também William Butler Yeats) mas dele não aprendeu nada que lhe fosse de serventia fora de um bordel. Era exímio jogador de xadrez mas só até os adversários perceberem que os cavalos de Al-Sumad avançavam em I’s viciosos. Ao ver-se em apertos soía atirar o tabuleiro ao chão perante a indignação dos anciãos, entre os quais Rafiq, o onanista. Al-Sumad era acusado de mau perder. Demorava horas a decidir jogadas e, enquanto, dissertava sobre as areias de Malkaf, as parcas águas de Máh’ain ou os verdes breves de Knalak-lapirn, cidade que talvez existisse na mente de Tolkien. Fazia-o com o intento de evitar que rivais como Ambrosius, embaixador da corte de Segóvia, lhe lessem os pensamentos e assim adivinhassem a próxima jogada ou acedessem à intimidade da sua pouco asseada esposa. A conversão de Al-Sumad foi tardia. Quando as cãs já lhe enobreciam a fronte, Al-Sumad abandonou o xadrez, os camelos e as mulheres. Dedicou-se a escrever. Só conquistou o estatuto de profeta após Bin Ba’ud ter intercedido por ele. Do seu original pensamento nasceram duas correntes: o sumadismo trágico, um sincretismo helénico, e o sumadismo sefardita, apenas acessível a circuncidados e a eunucos. O sumadismo trágico proclama a inutilidade de qualquer acção à excepção daquela que proclama a inutilidade de qualquer acção. O sumadismo sefardita declara a inutilidade do sumadismo trágico e ensina uma óptima receita de pão ázimo. Seis dos filhos de Al-Sumad enveredaram pela corrente trágica, seis pela sefardita e outros seis formaram uma banda ao estilo Jackson Five que devido ao paradoxo numérico não obteve o sucesso esperado. Al-Sumad legou aos tempos vindouros ensinamentos que não poderão ser conspurcados por fundamentalistas: “Que o vento de Har-Alid vos dê o dobro do que me desejam.”

16
Jan09

Agnósticos, ateus e os outros

Bruno Vieira Amaral

A historiografia costuma referir Agnostini, filósofo do século IV, como o “pai” do agnosticismo. Agnostini, um herético para os seus contemporâneos, não defendia a inexistência de Deus, nem a Sua (que grafava “sua”) existência, nem sequer qualquer coisa entre as duas. Aliás, não se conhece a opinião de Agnostini sobre o assunto, o que terá estado na origem do próprio agnosticismo. Já o ateísmo é mais recente do que se pensa e o seu nome deriva de um célebre clube de divertimento nocturno situado na Margem Sul (já lá estive uma ou duas vezes e não sei se aquilo se chama A Teia, Ateia ou Ateya – um grave problema ontológico, sobretudo quando falamos de um estabelecimento do género). Estes ateus são conhecidos por não acreditarem em nada que não tenha duas mamas e que não seja capaz de dançar sensualmente ao som de Lionel Richie circa 1985. Toda a gente sabe de onde vem o monoteísmo. Foi inventado pelos judeus mas também lhes poderá ter sido emprestado por alguém, o que a ser verdade resolvia de uma só vez o mistério do monoteísmo e da usura. Enquanto os judeus andavam ocupados a fugir e a criar um Deus portátil que pudessem levar para qualquer lado, os chineses inventavam o futebol (aquilo não era bem “futebol”; para terem uma ideia do desporto praticado pelos chineses, vejam um jogo do paleolítico Bynia). Coincidências?

16
Jan09

Editorial “Onde é que eu ia?”

Bruno Vieira Amaral

Os leitores mais atentos perceberam o clin d’oeil  (isto é um piscar-de-olhos ao meu “público” – ‘cebes? – francófilo) ao já célebre editorial de José Manuel Fernandes onde, num slalom digno de Alberto Tomba, o director do Público conseguiu tocar em todas as bandeirinhas apenas para se despenhar sem glória numa ravina dos Alpes.

16
Jan09

Casamentos inter

Bruno Vieira Amaral

O Cardeal Patriarca não tem razão. Por defeito, bem entendido. As meninas ocidentais devem pensar muito bem antes de casar, seja com um muçulmano, um católico, um protestante ou um bailarino da Gulbenkian. O monte de sarilhos que é o casamento começa no hábito - comum a muitas culturas - de se realizar entre duas pessoas. É um problema que, com maior ou menor sucesso, as sociedades têm tentado resolver em nome da preservação da espécie e para evitar que algum quadro de Fragonard vá parar às mãos de um bastardo. Podemos afirmar que tudo correu muito bem enquanto as pessoas, por questões logísticas, eram obrigadas a casar com alguém cuja principal habilitação era viver num raio de duas milhas (milhas é mais medieval). A probabilidade de partilharem a mesma religião, a mesma visão do mundo e o mesmo grupo sanguíneo era elevada. O monte de sarilhos ocorria com uma frequência reduzida até porque o mais natural era um dos cônjuges estar morto antes da crise dos 7 anos. Os antibióticos, as viagens transatlânticas e a pílula mudaram a natureza do casamento (o bidé também mas os antropólogos, sempre prontos a defender quem limpa o cu a uma folha de bananeira, não lhe atribuem a mesma relevância). Hoje, qualquer pessoa pode casar com qualquer pessoa e, com alguma perseverança, até com qualquer mamífero.

 

Onde é que eu ia? Pois. Meninas, não casem com muçulmanos; se nada vos pode afastar da infelicidade, ao menos arranjem quem perceba do assunto.

15
Jan09

RIP

Bruno Vieira Amaral

Morreu Ricardo Gonzalo Pedro Montalban y Merino

(o da direita, Hergé Bouillabasse, também já morreu)

15
Jan09

Chorem!

Bruno Vieira Amaral

Ao contrário do que digo no post sobre Há lodo no cais, Martin Scorsese não foi dos mais efusivos nos aplausos a Elia Kazan; foi ele, juntamente com Robert de Niro, que lhe entregou o Oscar. Nick Nolte e Ed Harris estavam tão emocionados que nem conseguiram levantar os rabos das cadeiras.

 

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