Diário de um agente em Nicósia – Dia 3
Choveu em Nicósia. Ms. Novak fez-me saber, da mais indelicada forma, que está com o período. A minha ex-mulher ligou-me. Gritou muito. Não percebi mas creio que tinha qualquer coisa a ver com as Elegias de Duíno ou com o Manuel Luís Goucha. Não, agora recordo-me de tudo: era sobre a pensão de alimentos. Quase a terminar, ameaçou visitar a minha mãe e fazer-lhe uma tarte de amêndoa em latim (acho que foi isso, não sei, a ligação estava má e ela é louca). Quando descemos, o gerente tinha uma mensagem para nós. A amante dele estava a pintar as unhas dos pés. Olhou para mim. Tem aquele olhar de uma sentimentalidade reles, que denuncia as más actrizes, as ninfomaníacas e algumas primas afastadas acabadinhas de perder a virgindade. Ms. Novak leu a mensagem. “Hoje oxigenei três esquilos libaneses – Sheraton, quarto 329.” A nossa organização precisa melhorar alguns aspectos ao nível da comunicação. A chuva era torrencial. Ms. Novak sorriu. Disse-me que a chuva lembrava-lhe aquele filme com o Fred Astaire. Sim. Estou a ver. E não te recorda Vitaly, o javali lituano? Ela não respondeu. Entrámos num táxi. Era um metro e oitenta e oito de taxista, de tez clara e cabelo castanho idem, com um sotaque britânico tão perfeito que ao pé dele o Jeremy Irons parece um sérvio a recitar Milton com a boca cheia de avelãs e mais gay que uma música dos Abba no sistema de som de uma sauna grega. Aquilo não era taxista nem num sonho molhado de Tennessee Williams. Observei Ms. Novak. Sou um admirador da frieza desta mulher. Indicou-lhe o destino mas, a qualquer movimento mais brusco do homem, estava pronta a partir-lhe o pescoço como se a vida dele valesse tanto como um pacote de esparguete do Lidl. O homem, com medo ou porque era mesmo taxista, levou-nos até ao hotel. Deve ter sido medo porque não nos cobrou nada e antes que lhe pudéssemos agradecer já desaparecera no caos de Nicósia. Na recepção, pedimos a chave do quarto 329. Subimos. A porta estava aberta. Ms. Novak respirou fundo. Aproximou-se de mim, certamente para me beijar - um primeiro e último beijo no caso de algo correr mal. Eu não perdi o meu sentido do dever e coloquei o meu indicador nos lábios carnudos de Ms. Novak. Ela, com uma reacção própria das mulheres que não estão habituadas à rejeição, aplicou-me um violento golpe na zona da clavícula. Não tivesse eu por Ms. Novak este respeito quase religioso e a coisa podia ter ficado feia. Felizmente para ela, perdi os sentidos por breves instantes. Não me posso emocionar sem tomar o pequeno-almoço. Quando recuperei, estávamos no quarto. Ms. Novak olhava para umas fotografias que nos tinham sido deixadas dentro de uma mala preta. “Não percebo nada. São fotografias de uma tipa. Parece ser cantora.” Tive uma premonição. Antes de ver as fotografias, eu já sabia que o nosso alvo agora era Cynthia Larissa.