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Circo da Lama

"Se ele for para a Suiça, não lhe guardo as vacas", David Queiroz, pai de António, vencedor da Casa dos Segredos

"Se ele for para a Suiça, não lhe guardo as vacas", David Queiroz, pai de António, vencedor da Casa dos Segredos

Circo da Lama

13
Fev09

Olympia e Natalie

Bruno Vieira Amaral

 

 

 

 

 

 

Em 1865, e para escândalo da sociedade francesa, Édouard Manet apresentou Olympia ao mundo. A burguesia queria quadros para decorar a sala de estar e ali estava o de uma mulher nua, mulher de vida fácil, mais apropriado para as paredes de um lupanar. Foi também com o propósito de ter uma vida mais fácil que Natalie Dylan decidiu leiloar a sua virgindade. Se uma coisa vale o que alguém está disposto a pagar por ela, a virgindade de Natalie vale pouco menos de 3 milhões de euros. Ainda assim um valor elevado para algo que, tal como o quadro de Manet há 144 anos, não se pode expor na sala de estar. Foi a fotografia de Natalie que me lembrou o quadro de Manet. As duas, Olympia cortesã e a virgem Natalie, estão em camas desfeitas: a do quadro, desfeita por prazeres rotineiros; a da fotografia, por pecados não consumados. A pele, em ambas as imagens, contrasta com o branco acetinado das almofadas. Contraste suave no quadro, mais forte na fotografia. Olympia está reclinada, em repouso; Natalie está um pouco tensa, em ansiedade. Apesar de estarem na cama, estão calçadas. Na fotografia nota-se a decoração antiquada, de uma solenidade casta que exaspera a imaginação dos libidinosos. O cabelo apanhado de Olympia desimpede a paisagem. O cabelo de Natalie, solto, a cair-lhe pelos ombros, não lhe cobriria o peito se, como Olympia, o tivesse desnudado. Ambas cruzam as pernas. Olympia tem a mão esquerda sobre a púbis. A mão esquerda de Natalie é o terceiro lado de um triângulo em que os outros dois são formados pela perna flectida. Algures no fundo da sombra geométrica palpita a concha invicta, porém leiloada. Nesta fotografia, Natalie é uma menina de carnes lautas. A indumentária, escassa e vulgar (tão diferente da nudez sóbria do quadro), apouca-lhe as virtudes do espírito mas amplia a generosidade das formas. Como Natalie não está a vender a salvação da alma mas a franquear o reduto do corpo, é lícito dizer-se que a fotografia favorece o negócio.

 

 

Publicado originalmente no cachimbo.

13
Fev09

Da lavoura

Bruno Vieira Amaral

Diz a sabedoria popular, embora os bolsos depauperados não comprovem a teoria, que o dinheiro não traz felicidade. É verdade. Veja-se o meu caso: com o meu ordenado nem sequer consigo arranjar uma depressão decente. Limito-me a andar mal-humorado, como se a minha alma tivesse batido em retirada para o meu estômago e, em vez de uma úlcera, apenas merecesse uma azia crónica. Mas há situações piores, em que o dinheiro, não trazendo felicidade, ainda se encarrega de semear discórdias e de terminar namoros prometedores no concelho de Barcelos.

 

Luís e Cristina namoravam e faziam as coisas que os namorados normalmente fazem: carícias furtivas na sala de jantar, bicas no café Brandão e duas apostas simples no euromilhões. Sucedeu que foram premiados. 15 milhões de euros. E é a partir daqui que se manifesta o poder desagregador do dinheiro. Ainda tiveram tempo de abrir uma conta em nome dos quatro: Luís, Cristina e os pais desta. Foi então que o bom Luís, na ingenuidade dos seus 22 anos, quis presentear os seus pais e irmãos. Os futuros sogros não participaram da generosidade eufórica do rapaz e fizeram-lhe ver que teria alguma dificuldade em movimentar a conta sem a concordância deles. Acabou-se a paz. O que tinha tudo para ser uma próspera união (a que só os anos e uma eventual sacholada poderiam pôr fim) acabou em tribunal. Às juras de amor eterno sobrepôs-se a providência cautelar; ao tálamo ansiado, a certeza da sala de audiências. O dinheiro, qual Deus cruel, lá permanece na conta, indiferente às desavenças de duas famílias minhotas. “Entretanto, todos vão vivendo da lavoura[...].”

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