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Circo da Lama

"Se ele for para a Suiça, não lhe guardo as vacas", David Queiroz, pai de António, vencedor da Casa dos Segredos

"Se ele for para a Suiça, não lhe guardo as vacas", David Queiroz, pai de António, vencedor da Casa dos Segredos

Circo da Lama

11
Jan10

Zapping

Bruno Vieira Amaral

 

Cheguei a casa com indícios de constipação, algumas recordações no bolso e o livro George Steiner at The New Yorker. O início do ensaio sobre Borges é das coisas mais pedantes que Steiner terá escrito, mas Steiner é Steiner e tem todo o direito de ser pedante. Para além disso, o ensaio sobre Céline reconciliou-me com o mundo e estou em vias de adquirir um gato para lhe pôr o nome de Bébert. Adorno é a outra hipótese. Obviamente que tudo isto tem uma importância relativa dado que, na noite de sexta para sábado, perdi o polegar da mão direita. Tive de cancelar um jantar para o qual tinha convidado uns amigos, temendo que a carbonara não me saísse como de costume. De início culpei a minha mulher, que tem a mania de mudar as coisas de sítio sem me avisar, mas ela também não sabe do polegar da mão esquerda, o que me leva a crer que isto terá sido obra de terceiros. A nossa vida conjugal sofreu ligeiras alterações e talvez venhamos a prescindir dos telemóveis. Seja como for, um dos dois terá de ir aos correios levantar uma encomenda da La Redoute e como a dona Ofélia não gosta de mim não lhe quero dar o prazer de me ver sem o polegar. Entretanto, vou fazendo zapping:
 
Canal 52 – Gulliver: um nome que denuncia o tema. Trata-se de um canal de viagens. A originalidade é que durante as oito horas de emissão não saímos do estúdio escassamente decorado. Os convidados (escritores, actrizes, cantores e antropófagos) sentam-se numa poltrona azul-turquesa e falam directamente para a câmara, narrando as viagens que fizeram. Aos sábados à noite, a emissão é dedicada a viagens imaginárias.
 
Canal 60 – Reading Joyce: emissão contínua com anónimos a ler excertos da obra de Joyce. Os espectadores são convidados a enviar as suas leituras. No próximo dia 20, às duas da tarde, está prevista a transmissão em directo do monólogo de Molly Bloom lido por duas estudantes suecas numa casa-de-banho do aeroporto de Orly.
 
Canal 113 – Nothing News: como o nome indica, o Nothing News é um canal que apenas noticia factos ocorridos entre as oito e as oito e um quarto da manhã. O resto da programação é composto por entrevistas com os intervenientes, debates e um fórum durante o qual os espectadores podem manifestar a sua opinião sobre as notícias e, ocasionalmente, sobre o belo par de mamas da apresentadora. Não são feitos directos e os pivots estão proibidos de pronunciar o nome de W. G. Sebald.
 
Canal 248 – Tromsø Tromsø: reality show que acompanha o dia-a-dia dos habitantes de Tromsø, com excepção de Nils, o dentista local e serial killer em part-time, e que por este motivo teve de declinar o convite da produção. O sucesso já levou o criador do formato a planear Tromsø Oslo, Tromsø Clermont-Ferrand e Tromsø Ciudad Rodrigo.
 
Canal 270 – Splinx Sport: até há bem poucos anos, o splinx era o desporto mais popular da Rodésia, mas Robert Mugabe considerava-o uma ocupação colonialista, o que certamente teria a ver com as regras do jogo, que consistia em introduzir o maior número de pretos num poço sem prejudicar as colheitas e as tarefas domésticas. Havia uma variante menos popular do splinx e que basicamente era pólo sem cavalos, sem tacos e sem bola. Na realidade, esta variante não chegou a ser inventada. Era apenas um conjunto de fazendeiros brancos a pensar na vida. Não sendo um desporto, aqueles homens tiveram por bem não lhe dedicar um canal televisivo.
06
Jan10

Argentina

Bruno Vieira Amaral

Cortázar, que já morreu e ainda bem, porque estes argentinos são tão bons que um gajo fica deprimido, escreveu coisas destas e eu penso em dedicar-me de imediato à fruticultura (o meu avô tinha uma horta onde plantava quiabos e colhia beldroegas que cresciam espontaneamente nas margens de um regato, e tínhamos um cão cujo nome, Lord, disfarçava mal as origens rafeiras) ou em nunca mais escrever uma linha que seja: “todo o conto é o modo como se conta, a consciência de que conteúdo e forma não são duas coisas diversas entre si é aquilo que faz o bom narrador oral, que neste caso não se diferencia do bom escritor, ainda que preconceitos e editores estejam do lado deste último.” Borges, Cortázar, Maradona, Riquelme (que escritor é o Riquelme!), Aimar, Saviola, Ortega, Juan Martin del Potro, caramba, é óbvio que a Argentina teria de ser o primeiro país da América Latina a aprovar o casamento entre pessoas do mesmo sexo (se não é verdade…).

04
Jan10

Um Homem

Bruno Vieira Amaral

 

O Homem é um estrangeiro, um estranho. “Num universo subitamente privado de ilusões e de luzes” o Homem só se pode sentir estrangeiro. Mas ao contrário do exilado e do refugiado, o Homem tem de viver sem o consolo “de uma pátria perdida” e sem “a esperança de uma terra prometida”. Nem Ulisses, nem Judeu. O Homem já nasce longe de casa. E a casa nem sequer existe. Vale a pena viver esta vida? No ensaio O Mito de Sísifo, Albert Camus defendia que esta era a pergunta a que tínhamos de responder e o suicídio o único problema filosófico verdadeiramente importante. Ainda hoje há muitos que consideram que a obra de Camus apresenta o suicídio como a única saída para o Homem cercado de desespero por todos os lados. Para contrariar esta ideia basta ler o final do romance A Peste. Ou examinar com mais atenção a vida de Camus. O seu percurso foi invulgar. Nascido na Argélia, pied-noir, como eram depreciativamente chamados os franceses nascidos naquela colónia, Camus foi para a metrópole em 1941. A tuberculose impedira-o de prosseguir a carreira docente e Camus iniciou a carreira no jornalismo. Colaborou com a Resistência e foi redactor principal do jornal clandestino Combat, um dos mais importantes títulos da imprensa francesa durante a ocupação alemã. Quando ocorreu a libertação, em 1944, Camus já conquistara o seu espaço na literatura francesa. Dois anos antes publicara o romance O Estrangeiro e O Mito de Sísifo, que lhe valeram a atenção da crítica e a admiração, embora com reservas, de Jean-Paul Sartre. A amizade entre os dois gigantes terminaria anos mais tarde. Em 1951, Albert Camus publicou o ensaio O Homem Revoltado. O livro continha críticas ao Marxismo e ao modelo soviético e foi demolido numa recensão publicada na revista Les Temps Modernes, dirigida por Sartre. O que era uma manifestação do profundo humanismo de Camus contra todas as formas de opressão foi entendido pela esquerda como uma traição. As trincheiras ideológicas estavam demasiado cerradas para que uma “terceira via” fosse aceite sem turbulência. Para Camus, o homem absurdo tinha de aprender a viver sem as muletas de Deus ou do Partido. A sua vida e a sua obra são um testemunho a favor da esperança contra todas as evidências. Num mundo sem sentido, cheio de dor e de desespero, o homem deve exprimir a sua revolta positiva. “É preciso que nos ajudemos uns aos outros”, diz uma das personagens de A Peste. No final do romance, há uma frase que serve de fundamento ao humanismo ateu de Camus: “há nos homens mais coisas a admirar que coisas a desprezar.” A 4 de Janeiro de 1959, dois anos após ter recebido o Prémio Nobel, Albert Camus morreu num acidente de viação. Tinha 46 anos. Nascera no exílio, “entre a miséria e o sol.” Como todos os homens.

03
Jan10

Filmes

Bruno Vieira Amaral

Sweet smell of success – Alexander Mackendrick

Chinatown – Roman Polanski
Pagos a dobrar – Billy Wilder
Tyson – James Toback
Os três enterros de um homem – Tommy Lee Jones
Gran Torino – Clint Eastwood
03
Jan10

Livros

Bruno Vieira Amaral

O beco dos milagres – Naguib Mahfouz

Alguns preferem urtigas – Junichiro Tanizaki
Conversa n’A Catedral – Mario Vargas Llosa
2666 – Roberto Bolaño
Indignação – Philip Roth
Hadji-Murat – Lev Tolstoi
Norte – Louis-Ferdinand Céline
A sala de vidro – Simon Mawer
03
Jan10

História Universal da Infâmia

Bruno Vieira Amaral

 

Publicado no i

 

 

Defenestrações, genocídios, empalações, torturas, envenenamentos: o cardápio de crueldades de que o ser humano é capaz é praticamente inesgotável. O historiador Simon Sebag Montefiore, com a colaboração de John Bew e Martyn Frampton, escolheu 101 exemplares da maldade humana. Aqui encontramos estadistas poderosos, imperadores megalómanos, ditadores sanguinários, mas também traficantes de droga, profetas alucinados e assassinos em série. Em certos momentos, temos uma sensação de déja vu. As mesmas histórias de ambição e de loucura representadas por personagens diferentes. A crueldade não conhece ideologias, religiões ou territórios e distingue-se pela facilidade em inventar inimigos, isto é, em angariar vítimas. Inimigos da Pátria, da Revolução ou de Deus, judeus, homossexuais ou índios: a diferença, real ou fabricada, é o pretexto mais comum para a prática de atrocidades. Da antiga Babilónia à África pós-colonial, do Império Romano à Alemanha nazi, da Chicago de Capone à Sicília de Riina, da Espanha inquisitorial aos campos de treino de terroristas no Afeganistão, o Mal encontra sempre maneira de se manifestar. Não o Mal enquanto categoria ontológica, mas o mal enquanto expressão objectiva do pior que habita o ser humano. No prefácio, Montefiore lembra que alguns dos homens que escolheu, como Genghis Khan ou Tamerlão, mereciam um livro à parte, o dos heróis-monstros. O génio que demonstraram no campo de batalha atenua o horror dos crimes que cometeram, relativiza-os. Não são poucos os exemplos de homens cuja grandeza política assenta em pilhas de cadáveres. No entanto, há crimes que resistem ao relativismo histórico e às propagandas patrióticas ou religiosas. É por isso legítimo falar do Mal, desde que não sirva para escamotear o facto de que a crueldade é uma escolha. Pode revelar aspectos da natureza humana que são difíceis de entender mas não deve ser desculpada com base em relativismos culturais ou, pior ainda, abordagens metafísicas. Hitler e Estaline não eram monstros, nem demónios. Eram homens. É isso que assusta. Ainda mais assustador é pensar nos actores secundários, nos milhares de “pessoas banais, que se transformaram em assassinos e torturadores”. Algumas das entradas deste manual de maus costumes não teriam sido possíveis sem a colaboração desses cúmplices anónimos. Alguns mancharam as mãos de sangue, outros cobriram-se com a ignomínia do silêncio.
 
Montefiore diz que “todos nós deveríamos conhecer estas personagens, lembrar os seus crimes e termos, sobre eles, a nossa própria opinião.” A estrutura enciclopédica e o estilo expositivo desta obra, convidam o leitor a tirar as suas próprias conclusões. Será esta a melhor maneira de impedir desgraças futuras? Dificilmente. As nossas mentes saturadas do horror servido em directo pelas televisões são pouco sensíveis a lições de História. As toneladas de actos horrendos despejadas por Montefiore embatem contra espíritos moldados por uma cultura que suaviza os monstros. Para além disso, o repertório da crueldade, suficientemente vasto para fazer o tempo andar para trás, não deve ser menosprezado. Quando comparada com a barbárie primitiva do genocídio no Ruanda a sofisticação tecnológica com que os nazis implementaram a solução final parece oriunda de um futuro macabro de ficção científica. A História repete-se com ligeiras nuances, mas sempre como tragédia.
02
Jan10

Um ano

Bruno Vieira Amaral

Este blog comemora hoje o seu primeiro aniversário, ou seja, está bem lançado para durar mais do que o meu casamento. Reservei mesa no Tavares mas estou em crer que vamos acabar os dois, eu e o blog, a comer umas bifanas naquela roulotte ali para os lados de Coina. Ofereci-lhe 4 dvds: Patton (o George C. Scott , o George C. Scott), O Padrinho III (o Al Pacino, o Al Pacino), O Último Rei da Escócia (o Forest Whitaker, o Forest Whitaker) e Rocky (Filadélfia, Filadélfia). Agora vou assistir a mais um episódio da lenta decomposição do treinador anteriormente conhecido como Quique Flores.

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