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"De qualquer modo, é difícil ter empatia por uma pessoa sem sobrancelhas."
Cordilheira, Daniel Galera
O meu Carnaval preferido foi há muitos anos. A RTP passou o filme “Um cadáver de sobremesa”. Truman Capote fazia uma aparição no final. Eu não sabia quem era Truman Capote, ainda hoje não sei quem foi, mas o nome ficou. Ainda julguei que aquele filme seria o Jesus de Nazaré do Carnaval. Se eu, naquela altura, fosse director da RTP, teria inaugurado uma nova instituição carnavalesca. Ninguém inaugurou, but we’ll always have Rio.
Carnaval era nudez. A nudez ocultada no resto do ano, a nudez que a televisão única e pública escondia e que aparecia envergonhada nas madrugadas de fim d’ano e de Carnaval. O acontecimento não era o Carnaval enquanto espectáculo busby-berkeliano-favela-chic, eram as maminhas ao léu e o frenesim tropical-mulato (jovens que agora tendes 18 aninhos, lembrai-vos que naqueles tempos não havia YouPorn; os serões das famílias portuguesas eram passados a ler as caridosas recomendações do Padre António Vieira. Bernardim Ribeiro foi para a minha geração o que James Blunt é para a vossa, acreditai!). Uma não-nudez que era toda a nudez a que os nossos RTPios olhos tinham direito. Uma nudez anódina, Crazy Horse, uma nudez show-biz daquela que não perturba, não incomoda porque é uma nudez tapada pela própria nudez. Foi então que percebi que as impassíveis máscaras venezianas são muito mais eróticas do que as bamboleantes bundas cariocas (na verdade, eu só percebi isto cinco minutos antes de começar a escrever este texto, há duas horas; atenção, percebi mas eu não acredito em tudo o que percebo). É por isso que toda a gente adora o Eyes Wide Shut, não é? Porque na cena da orgia, um grande Carnaval sincrético, há a beleza do corpo e o mistério das máscaras. Não há mulatas mas não se pode ter tudo. Já imaginaram o que seria uma baiana num filme de Kubrick? Recorrendo a um hidrolusismo, seria o mesmo que plantar mil bananeiras num conto de Borges ou construir cem bibliotecas em pleno García Márquez.
Isto esteve para ser a minha singela homenagem ao Carnaval da Mealhada.
As férias, não o trabalho, são a coisa mais burguesa que existe, ainda mais do que as batatas pré-fritas e os sacos do aspirador. Suponho que sejam uma das conquistas de Abril, mesmo quando são gozadas em Fevereiro. O trabalhador, reza a legislação, tem o direito inalienável às férias, como um escravo mal comportado tem direito a um intervalo entre a 25ª e a 26ª chibatadas. Recebe o subsídio de férias que apenas serve para o manter afastado das imediações do local de trabalho. As férias começam com os habituais “finalmente”, “já não aguentava aquilo”, “estava pelos cabelos” e a ladainha prolonga-se durante a primeira semana. A segunda semana é pródiga em “como é bom estar longe daquela gente”, “e os outros a ter de aturar filas e transportes”. Com a terceira semana vem o tédio, outra invenção burguesa. O dinheiro escoou-se e resta-nos A Praça da Alegria e o Opinião Pública. Seguem-se as revelações e as boquiaberturas de espanto: o sorriso da Sónia Araújo depois de ter ficado sem um Jaguar, vítima, ao que parece, de um daqueles casos de combustão espontânea muito comuns na área metropolitana do Porto. No Opinião Pública discute-se a liderança do PSD, mas um telespectador aproveita para insultar a convidada, Inês Serra Lopes, referindo-se ao processo Casa Pia. Leio o Sol (poderá a isto chamar-se heliomância?). Concordo com a Ana Cristina e percebo o título do jornal: O Polvo. Aqueles dois são cefalópodes (e por mais do que um motivo). Muito mais grave do que não haver liberdade de imprensa, é a liberdade de impensa estar ameaçada por...aquilo. É óbvio que aqueles tipos têm de se mover em águas profundas, na sombra dos gabinetes. Se assomam à superfície, acabam em salada. A sério. Para que o tráfico de influências se possa credibilizar, é necessário arranjar umas caras decentes. Na preparatória, eu tinha colegas com caras daquelas e uma coisa posso garantir-vos, nunca lanchavam. Aproveito para deixar registado que nada disto melhora as minhas férias.
Publicado no i
Melómanos não devem escolher a música que se ouve nos supermercados. As meninas da charcutaria ouvem Leonard Cohen e suspiram todo o desconsolo: "Esta música não dá ânimo nenhum."
Para o Lourenço.
Simpatizo com o Deco. O Deco gosta de fazer filhos. É público que tem vários de várias relações. Vê-se que o homem nasceu para aquilo. Ele vai na onda. Oiçam as escutas: aqueles hum-huns, sim-sins, presidente. O Deco estava-se nas tintas. Aposto que estava a fisgar a Jaciara. Convidaram-no para representar a selecção portuguesa. Ele fez umas contas rápidas, o escrete estava difícil, despachou os diligentes funcionários da federação com mais hum-huns, sim-sins, e voltemos ao que é importante, que o mundo precisa de mais gente. Claro que o Deco falhou o timing. No ano em que aceitou jogar pela equipa de todos nós (e se é de todos nós, também é do Deco, porque o Deco é um de nós e gosta de fazer filhos), o Porto de Mourinho começou a limpar a mobília da Uefa. Caramba, deve ter pensado o Deco, mais um aninho e estava na canarinha. Agora, cansado do frio londrino, das viagens constantes, o Deco diz que após o Mundial abandona a selecção. Nada de grave. Na verdade, ele nunca esteve lá. A cabeça do Deco, jogador genial como poucos que acariciaram os nossos relvados (jogadores como ele não pisam), nunca está no campo e muito menos em delírios patrióticos à la Pepe, com choros convulsivos e declarações de amor às quinas e demais bicharada mitológica. Não o acusem de não urrar o hino como um “lobo” do râguebi. Ele está apenas a gerir a carreira, a de fazer filhos, e para isso convém estar longe da voz professoral e contraceptiva do Sr. Queirós.
O Hollywood está a passar aquele filme em que, após 7 anos em coma, o Steven Seagal acorda com uma barba postiça.
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