Primavera
A Primavera, só para chatear, chegou chuvosa. Trouxe Sócrates a culpar o mundo e nisso a Primavera não se distinguiu de Verões, Outonos e Invernos passados. Trouxe Carlos, príncipe, que tem ganho com o passar dos anos, porque à fealdade, que sempre dura, ao menos nos habituamos (não dizia o Gainsbourg “La différence entre la beauté et la laideur, c'est que la laideur, elle, au moins elle dure!”?) e que parece muito mais homem, muito mais feliz desde que se oficializou com Camila da Cornualha, que chegou tarde para princesa e a más horas para rainha, mas muito a tempo de se fazer duquesa. Veio a Primavera e trouxe com ela a Presidente Dilma, mulher com protestos na voz, punho fechado, contestatário, mas que tratámos de suavizar com o charme rude do emissário De Sousa Tavares, quem, segundo João Gonçalves afirma no seu livro mais recente, “tem aquele ar concupiscente que provoca honestos frémitos até no heterossexual mais certinho”. Eu, que há coisa de cinco minutos verifiquei o estado da minha heterossexualidade pelo retrovisor, garanto que nunca senti frémitos, honestos ou de índole duvidosa, por Sousa Tavares, mas vi, claramente vista, a perturbação enrubescida da Presidente Dilma quando o nosso enviado se referiu ao seu (dela) mau feitio e ela, em desacordo polissémico, julgou que lhe fazia um reparo à toilette. Ficou sem jeito, ameninada, bonitinha até, feita menininha das suas quinze muito virgens primaveras. Esta, a que agora veio e com ela trouxe chuva e as personalidades já enumeradas, obrigou-nos a casacos que já se queriam arrumados e indumentárias cinzentas, meteorológicas, guarda-chuvosas, que impedem o gentil alargar dos decotes que, em tempos idos de latins falados, animavam padres de batinas e as furiosas hormonas dos mancebos.