Anita
Quando tinha seis anos e visitava a minha tia-avó, davam-me sempre uns livros da Anita que tinham pertencido à prima Alzira. Por isso, foi com algum espanto que, anos mais tarde, encontrei na velha estante sobre a televisão um exemplar de Opus Pistorum, de Henry Miller. Tirei o livro com aquele princípio de culpa sem o qual nenhum prazer vale a pena, olhei para os lados e comecei a ler as primeiras páginas, muito educativas para quem deseja enfiar escovas em cu alheio e não sabe como. A leitura acelerou-me o batimento cardíaco, senti uma pressão nas calças, primeiro tímida, depois inequívoca e, tivesse a minha tia aparecido naquele momento, mais do que embaraçosa. Fechei o livro e sentei-me no sofá, ofegante, pós-coital. Estava maravilhado por encontrar ali um livro ultrajante, vil e carnal, uma lombada perigosamente imoral entre, creio, um L’être et le Néant e qualquer coisa de Baruch Spinoza. Várias vezes, sempre que visitava a minha tia, regressei a esse prazer de uma leitura proibida, de consequências túrgidas e infames. Até que, numa feira do livro manuseado (e como deve ter sido manuseado), adquiri o meu exemplar do livro de Miller e o prazer proibido, como num casamento que nos adormece, esvaiu-se.