Ler a Ler

Entre os leitores da Ler há os que escrevem para a Ler e que lêem o que escreveram para a Ler. Ler a Ler dá vontade de ler e anima o leitor a escrever para a Ler. Fátima Boliqueime, “leitora assídua da LER”, enviou um e-mail à Ler, onde escreve: “Quanto à distinção de ler os clássicos, Hitler[ sublinhado meu] frequentava clássicos…”. Isto significa que a leitura de clássicos e o extermínio de judeus são, ao contrário do que poderíamos supor, actividades compatíveis. Chateia-me muito o argumento “o Hitler também”, que serve para desprestigiar a democracia, a água canalizada e, neste caso, a leitura dos clássicos. Claro que este argumento satisfaz aquela parte da humanidade que já leu Ovídio e, apesar disso, nunca invadiu a Polónia. Não é que os utilizadores do argumento estabeleçam um nexo de causalidade entre as leituras de Hitler e as acções de Hitler. A leitora da Ler não diz: “sim, leiam os clássicos e vão ver o que vos acontece”. Diz que ler os clássicos não impede ninguém de ser um facínora, o que também se pode aplicar a beber chá, a dormir a sesta e a falar alemão (não sei se Hitler bebia chá e se dormia a sesta, mas tudo leva a crer que falava alemão). Devemos, então, ler os clássicos? Sim, mas não devemos esperar um reembolso se uns dias depois assassinarmos uma família de camponeses à sacholada.
