Maitê
Maitê, Mai-tê, luz da minha adolescência, concubina involuntária das minhas traições ocultas, Maitê, beija-flor, beija-menina, Mai-tê, duas sílabas quase nipónicas, perfumadas de oriente, a minha boca a reincidir nesse nome, a deleitar-se com ele, a namorá-lo, Maitê, confesso que guardei duas TV Guia em que o teu rosto inundava a capa de esplendor e não garanto que não tenha sobre elas derramado a flor branca do meu desespero em homenagem aos teus olhos, vem, Maitê, vamos cuspir nos monumentos (não venhas na Páscoa), na 1ª edição d’ Os Lusíadas, vamos dançar sobre o túmulo do Garrett, vamos rasgar as bandeiras (a da monarquia também), vamos desprestigiar os órgãos de soberania, não oiças os que te ofendem, os que se abaixo-assinam em petições de fúria provinciana, cospe neles, não peças desculpa, pára de dizer que o teu avô era português e que gostas da terrinha, isso é coisa de rainha carnavalesca, a sambar de sobretudo e gola alta, a atirar beijos de mão enluvada e lábios roxos de frio, os que te ofendem nunca te vão dar mais estatuto que o de actriz de novelas e puta, porque são putas todas as brasileiras (o que é, a meu ver, um elogio, porque nesta vida há que saber ser puta quando as circunstâncias o exigem), Maitê, eu até comprei o teu livro mas nunca o li (como o Neruda da música do Chico), e não me podes censurar, o que interessam as tuas palavras, a alma que possa haver na tua prosa, o prefácio do Sousa Tavares, quando é na capa que estão os teus olhos? Maitê, as mulheres deste país já não usam bigode e acredita-me quando te digo que terás contribuído para isso, mereces o meu agradecimento, os técnicos de informática são uns incompetentes, não tenhas dúvidas, os serviços de apoio ao cliente uma merda (quando vieres cá, hás-de reparar na quantidade de colunistas que vociferam contra as Netcabo e EDP e as meninas burras que os atendem), perdoa o despeito dos que te insultam, sabes, eles acham que tu não tens o direito de escarnecer dos nossos defeitos pois não tens a infelicidade de os partilhar (ninguém pode gozar com o Stephen Hawking a não ser o Stephen Hawking), Maitê, eu vou continuar a ouvir o Caetano (e Deus sabe o lixo que ele já falou sobre nós!), a ler o Rubem Fonseca, a amar os teus olhos, sou assim, burro, e vou continuar a admirar-te burra e eternamente.