28
Out09
Da Argentina
Bruno Vieira Amaral
Rejubila voz amiga com o fim do tempo dos Tahars e dos Paredões. Nós, benfiquistas, desejamos que o passado recente envelheça depressa, ultrapassado, trespassado. Perdoem-nos os excessos, os eflúvios de emoção rubra, as ejaculações precoces à jornada oitava. Contemporizem com o nosso sorriso babado ao ver aquele rasgo de luz vertical que saiu dos pés do Aimar e que foi ao encontro do Coentrão tanto como o Coentrão foi ao encontro da luz (em futebolês, chama-se a isto uma desmarcação, mas nos últimos anos de Benfica o verbo desmarcar apenas tem o significado de não marcar, de desmarcar golos). É certo que o Aimar mergulha, que se deixa cair ao mínimo contacto, tão mínimo que nem contacto é, apenas uma possibilidade, e ele antevê essa possibilidade e atira-se e o contacto acontece. Não é falta? Não. É excesso. Excesso de futebol malandro, sacana, porteño, tanguista. Gastem lá os elogios com o bisonte do Hulk, uma força da natureza, apreciem-lhe a corpulência de arrastador de camiões letão, que leva tudo à frente menos a inteligência, que essa fica para trás como um bocado de relva levantado à passagem de um tractor, chorem as faltas não assinaladas, impinjam-no aos Lyons desta vida por uma tonelada de euros. Nós ficamos aqui, sossegados, a materializar os meus sonhos molhados de infância com uma tripla argentina. Trazer o Aimar de Saragoça naquelas condições não é apenas péssima gestão, é um acto de amor e de fé, como aquelas mulheres que abrem os braços para o homem que já lhes partiu o coração e os maxilares. Pegar no renegado Saviola equivale a trazer para casa um ex-recluso que sopra promessas de bom comportamento ao anfitrião. E o subnutrido di María? Como conjugar as lições tácticas com um plano nutricional adequado? São coisas bonitas, como diria o nosso algoz. É bonito irmos buscar jogadores de tendões duvidosos e almas lesionadas e ter paciência com eles. E eles, com a generosidade dos arrependidos, retribuem-nos e nós ficamos mais perto do futebol tal como era no tempo em que apenas nos faltava o cromo de Nery Alberto Pumpido para acabar a colecção.
