11
Jan10
Zapping
Bruno Vieira Amaral
Cheguei a casa com indícios de constipação, algumas recordações no bolso e o livro George Steiner at The New Yorker. O início do ensaio sobre Borges é das coisas mais pedantes que Steiner terá escrito, mas Steiner é Steiner e tem todo o direito de ser pedante. Para além disso, o ensaio sobre Céline reconciliou-me com o mundo e estou em vias de adquirir um gato para lhe pôr o nome de Bébert. Adorno é a outra hipótese. Obviamente que tudo isto tem uma importância relativa dado que, na noite de sexta para sábado, perdi o polegar da mão direita. Tive de cancelar um jantar para o qual tinha convidado uns amigos, temendo que a carbonara não me saísse como de costume. De início culpei a minha mulher, que tem a mania de mudar as coisas de sítio sem me avisar, mas ela também não sabe do polegar da mão esquerda, o que me leva a crer que isto terá sido obra de terceiros. A nossa vida conjugal sofreu ligeiras alterações e talvez venhamos a prescindir dos telemóveis. Seja como for, um dos dois terá de ir aos correios levantar uma encomenda da La Redoute e como a dona Ofélia não gosta de mim não lhe quero dar o prazer de me ver sem o polegar. Entretanto, vou fazendo zapping:
Canal 52 – Gulliver: um nome que denuncia o tema. Trata-se de um canal de viagens. A originalidade é que durante as oito horas de emissão não saímos do estúdio escassamente decorado. Os convidados (escritores, actrizes, cantores e antropófagos) sentam-se numa poltrona azul-turquesa e falam directamente para a câmara, narrando as viagens que fizeram. Aos sábados à noite, a emissão é dedicada a viagens imaginárias.
Canal 60 – Reading Joyce: emissão contínua com anónimos a ler excertos da obra de Joyce. Os espectadores são convidados a enviar as suas leituras. No próximo dia 20, às duas da tarde, está prevista a transmissão em directo do monólogo de Molly Bloom lido por duas estudantes suecas numa casa-de-banho do aeroporto de Orly.
Canal 113 – Nothing News: como o nome indica, o Nothing News é um canal que apenas noticia factos ocorridos entre as oito e as oito e um quarto da manhã. O resto da programação é composto por entrevistas com os intervenientes, debates e um fórum durante o qual os espectadores podem manifestar a sua opinião sobre as notícias e, ocasionalmente, sobre o belo par de mamas da apresentadora. Não são feitos directos e os pivots estão proibidos de pronunciar o nome de W. G. Sebald.
Canal 248 – Tromsø Tromsø: reality show que acompanha o dia-a-dia dos habitantes de Tromsø, com excepção de Nils, o dentista local e serial killer em part-time, e que por este motivo teve de declinar o convite da produção. O sucesso já levou o criador do formato a planear Tromsø Oslo, Tromsø Clermont-Ferrand e Tromsø Ciudad Rodrigo.
Canal 270 – Splinx Sport: até há bem poucos anos, o splinx era o desporto mais popular da Rodésia, mas Robert Mugabe considerava-o uma ocupação colonialista, o que certamente teria a ver com as regras do jogo, que consistia em introduzir o maior número de pretos num poço sem prejudicar as colheitas e as tarefas domésticas. Havia uma variante menos popular do splinx e que basicamente era pólo sem cavalos, sem tacos e sem bola. Na realidade, esta variante não chegou a ser inventada. Era apenas um conjunto de fazendeiros brancos a pensar na vida. Não sendo um desporto, aqueles homens tiveram por bem não lhe dedicar um canal televisivo.