É tudo um sonho
A teoria mais recorrente quando se trata de fazer uma segunda leitura ou interpretação de um filme ou de um livro é a do aquilo-não-passa-de-um-sonho. Simples. Os filmes de David Lynch não passam de um sonho, Vertigo não passa de um sonho e Fuga para a Vitória não passa de um sonho. Ora, para mim, Avatar é que não passa mesmo de um sonho. O filme, como é óbvio, é sobre a Guerra do Iraque. Jake Sully fica sem as pernas e, de acordo com a minha teoria, o filme começa precisamente nesse momento. A partir daí, é tudo uma alucinação de Sully (plantas fluorescentes, uma tribo de alienígenas azuis – o verde está fora de moda, cães que se parecem com os dobermans dos pesadelos, seres que se unem através de uma coisa bastante parecida com fibra óptica). Num estado de inconsciência, de semi-vigília, Sully é assaltado por preocupações e memórias: a recuperação da mobilidade, a relação difícil com o superior, o sentimento de culpa e Danças com Lobos. Sully, que se encontra numa situação física extremamente precária, sonha-se herói e até voa montado num bicho grafittado na Amadora. É sempre ele a delirar. Criado em roulottes por um casal de hippies (a minha interpretação tem uma dimensão genealógica), Sully renega a família e o consumo de marijuana quando se alista no exército. É este sentimento de culpa que, no momento em que perde as pernas, o faz imaginar uma tribo muito new age, em harmonia com o universo, a viver numa árvore e com rituais místicos próprios de quem passou uma boa parte da vida metido em ácidos e a ouvir Helter Skelter. No fundo, Sully é um hippie imperialista, um oxímoro que o torna propenso ao fenómeno que afecta Douglas Quaid em Desafio Total (baseado num conto de Philip K. Dick): embolia esquizóide. Os efeitos 3D são excelentes mas só reforçam a minha teoria. Fui.