Carnavandalizando
O meu Carnaval preferido foi há muitos anos. A RTP passou o filme “Um cadáver de sobremesa”. Truman Capote fazia uma aparição no final. Eu não sabia quem era Truman Capote, ainda hoje não sei quem foi, mas o nome ficou. Ainda julguei que aquele filme seria o Jesus de Nazaré do Carnaval. Se eu, naquela altura, fosse director da RTP, teria inaugurado uma nova instituição carnavalesca. Ninguém inaugurou, but we’ll always have Rio.
Carnaval era nudez. A nudez ocultada no resto do ano, a nudez que a televisão única e pública escondia e que aparecia envergonhada nas madrugadas de fim d’ano e de Carnaval. O acontecimento não era o Carnaval enquanto espectáculo busby-berkeliano-favela-chic, eram as maminhas ao léu e o frenesim tropical-mulato (jovens que agora tendes 18 aninhos, lembrai-vos que naqueles tempos não havia YouPorn; os serões das famílias portuguesas eram passados a ler as caridosas recomendações do Padre António Vieira. Bernardim Ribeiro foi para a minha geração o que James Blunt é para a vossa, acreditai!). Uma não-nudez que era toda a nudez a que os nossos RTPios olhos tinham direito. Uma nudez anódina, Crazy Horse, uma nudez show-biz daquela que não perturba, não incomoda porque é uma nudez tapada pela própria nudez. Foi então que percebi que as impassíveis máscaras venezianas são muito mais eróticas do que as bamboleantes bundas cariocas (na verdade, eu só percebi isto cinco minutos antes de começar a escrever este texto, há duas horas; atenção, percebi mas eu não acredito em tudo o que percebo). É por isso que toda a gente adora o Eyes Wide Shut, não é? Porque na cena da orgia, um grande Carnaval sincrético, há a beleza do corpo e o mistério das máscaras. Não há mulatas mas não se pode ter tudo. Já imaginaram o que seria uma baiana num filme de Kubrick? Recorrendo a um hidrolusismo, seria o mesmo que plantar mil bananeiras num conto de Borges ou construir cem bibliotecas em pleno García Márquez.
Isto esteve para ser a minha singela homenagem ao Carnaval da Mealhada.