Menina
A menina entra na farmácia, calçãozinho de ganga, dezasseis anos, quem a pode culpar?, acompanha a avó ou a tia, e toda ela é um movimento de desconsideração juvenil não só pela velhice, que a tolera e até é capaz de admirá-la nostalgicamente, mas por aquela idade em que a celulite, as estrias e todas as gorduras localizadas têm de ser combatidas com minutos de cirurgia, horas de ginásio ou anos de uma personalidade vincada e aparentemente insensível aos julgamentos exteriores. A menina pode não saber que a leveza é passageira, mas essa inconsciência só a faz mais leve, porque nada pesa mais do que a consciência da morte e os irreparáveis estragos que a mesma provoca à nossa pele quase-mediterrânica. No rosto da menina não há sequer anúncio de rugas de sabedoria: o fermento da beleza é a ignorância, da verdadeira beleza, e não daquela que as pessoas que escrevem decidiram consagrar na esperança de chegar aos cinquentas mais sábias e mais belas, e não apenas mais sábias, mais velhas e mais feias, como manda o Tempo, na sua absoluta indiferença às considerações humanas e aos efeitos temporários do botox. A menina sai da farmácia de braço dado com a senhora, e eu não sei se é a beleza que se apoia no Tempo, se é o Tempo que se ampara na beleza, se aquele procura vitalidade e esta, consolo, sei que a senhora não tem bengala e o corpo viçoso, inquebrável da menina também serve e sei que a menina ignora tudo isto e que, por isso mesmo, também serve.