Bret Easton Ellis
No país dos literatos bater em Bret Easton Ellis é desporto nacional. As regras são simples: há um taco e há, em jeito de bola, a prosa de Ellis. O objectivo é bater repetidamente na bola até que esta se desfaça em pequenos e insignificantes fragmentos. Mesmo os praticantes mais compulsivos demoram algum tempo a perceber que, desde o início, a bola já vem em pequenos e insignificantes fragmentos e que a insistência no exercício não só não é uma mais-valia social como também pode ser deprimente. É como espancar um sem abrigo, mas sem as consequências legais. Li Psicopata Americano há uns dez anos e pareceu-me tão mau que não voltei a ler nada de Ellis. Havia uma clara capacidade de chocar, havia sexo violento e narcísico, um mundo fútil e superficial, crimes. Era também muito mal escrito, o que continua a não ser crime mas que não deixa de ser um terrível defeito num romance. Alguns entusiastas do livro, incluindo pessoas genuinamente boas e outras com animais de estimação, garantiam-me que o livro era um reflexo da sociedade capitalista, individualista e hedonista. Eu respondia que até um preservativo usado atirado para um parque infantil era um reflexo da sociedade capitalista, individualista e hedonista e que isso não dava a ninguém o direito de o vender como literatura (embora pudesse resultar numa exposição de arte contemporânea). Todos estes anos depois, os entusiastas desapareceram do meu radar. Devem ter à volta de 35 anos e provavelmente só lêem obras edificantes e sãs, romances históricos e Deepak Chopra. Se alguém lhes falar sobre Ellis, farão o mesmo que Pedro e dirão que nunca conheceram tal criatura. Eu, sem que nunca mais tenha lido uma linha de Ellis, desenvolvi aquela espécie sólida de preconceito que se alicerça numa primeira má impressão e num conhecimento supérfluo. Procuro, sem escrúpulos, opiniões que reforcem o meu preconceito e é com agrado que as encontro. Provêm de homens mais sábios e mais ajuizados do que eu, mas é como se fôssemos uma irmandade de viajantes literários que retempera forças na taberna acolhedora do ódio a Bret Easton Ellis. Somos uma família, falamos a mesma língua: “a debilidade do seu estilo, o seu magro vocabulário e a pobre arte com que o autor constrói tanto os diálogos como as descrições impedem qualquer outra abordagem que não seja a de um pornógrafo” (Alberto Manguel, No Bosque do Espelho, Dom Quixote). “Ellis has tried to create a novel [Imperial Bedrooms] that is iconic and iconoclastic at the same time. But instead he has come up with something that is boring where it tries to be daring” (Stephen Abell, TLS, 2 Julho 2010). Nós, os que nos comprazemos no ódio infantil a Ellis, somos os monges protectores de todos os livros que não foram escritos por ele. Os admiradores de Ellis são uns irremediáveis idiotas mesmo quando a idade, a programação da TVI ou um violento acidente rodoviário os afasta do âmago desse simulacro de literatura.