Saramago
Publicado no i há uns tempos
Terra do Pecado (1947)
O título deveria ser A Viúva, mas o editor alterou-o para Terra do Pecado. História dos Pecados de uma Viúva teria contentado os dois. Numa altura em que o neo-realismo dominava, Saramago ainda escrevia sobre criadas chantagistas, à boa maneira de Eça de Queiroz.
Manual de Pintura e Caligrafia (1977)
Saramago gostou tanto do livro de estreia que demorou trinta anos a regressar ao romance. Há uma personagem H. e outra M., o que se pode considerar uma crítica premonitória ao capitalismo e à alienação das grandes cadeias de lojas de roupa através da venda de blusas escandalosamente baratas.
Levantado do Chão (1980)
Um escritor comunista escrever sobre o Alentejo é tão óbvio como um “tio” escrever sobre os gelados Santini ou um militante do CDS elogiar a beleza da Ria de Aveiro. Saramago encontrou a sua voz neste romance sobre trabalhadores rurais mas poderia ter escrito, com igual sucesso, sobre operários da Lisnave.
Memorial do Convento (1982)
Não diga a ninguém que nunca leu Memorial do Convento. Há um Baltasar, uma Blimunda e um Bartolomeu, um rei megalómano com um interesse pouco cristão por freiras e um fascínio por edifícios faraónicos e um tanto inúteis. E não se esqueça: de um lado os ricos e do outro os pobres.
O Ano da Morte de Ricardo Reis (1984)
Quatro anos antes do centenário do nascimento de Fernando Pessoa e do célebre “tanto Pessoa já enjoa”, Saramago “matou” o heterónimo Ricardo Reis, aquele rapaz que preferia ficar de mãos dadas com Lídia (que aqui é uma empregada de hotel) em vez de trocar carícias.
A Jangada de Pedra (1986)
E se a Península Ibérica se separasse do resto do continente europeu? Se a Grécia estivesse incluída na viagem diríamos que o romance era uma resposta às preces de Angela Merkel. Mas os tempos eram outros, Portugal e Espanha acabavam de aderir à CEE.
História do Cerco de Lisboa (1989)
Meta-literatura e romance histórico num só. É também uma reflexão sobre o poder dos revisores de texto (afinal de contas, os responsáveis pela versão final do texto que está a ler neste momento), os heróis invisíveis que podem alterar o sentido da História com um simples “não”.
O Evangelho Segundo Jesus Cristo (1991)
Um Jesus Cristo humano, demasiado humano, um diabo simpático e um Deus insuportável. Com este romance, Saramago despertou a fúria dos católicos e ofereceu ao país um personagem inesquecível: Sousa Lara, obscuro não sei quê da cultura.
Ensaio sobre a Cegueira (1995)
A cegueira como metáfora e como factor que desencadeia o mais primitivo e brutal que a Humanidade carrega dentro de si. A única personagem que resiste à epidemia é a mulher de um médico: a burguesia é sempre privilegiada.
Todos os Nomes (1997)
Mergulho kafkiano nas trevas da burocracia. A ideia do romance surigu enquanto Saramago pequisava dados sobre a morte do seu irmão Francisco, vítima de pneumonia aos quatro anos. Se o mundo de Borges era uma biblioteca, o deste romance é uma imensa conservatória do Registo Civil.
A Caverna (2000)
Platão, olaria, centros comerciais e anti-capitalismo. O primeiro romance depois do Nobel é um livro que respira o ar de Seattle 99 e em que o escritor cede o lugar à estrela mediática do pós-comunismo, ao porta-voz de uma globalização alternativa.
O Homem Duplicado (2002)
Ao ver um filme, Tertuliano Máximo Afonso descobre um homem que é sua cópia exacta. Este é um ponto de partida que levanta profundas questões de identidade: se existe um outro eu qual dos dois tem a obrigação moral de pagar as multas de estacionamento?
Ensaio sobre a Lucidez (2004)
E se os eleitores decidissem maioritariamente votar em branco? Este exercício de desconfiança em relação à democracia representativa mostra o Saramago mais esquemático e menos interessante para o leitor que não frequente a Soeiro Pereira Gomes.
As Intermitências da Morte (2005)
“No dia seguinte ninguém morreu.” Eis aquele que é provavelmente o melhor início de sempre de um romance português. Se o movimento pendular da ceifeira se interrompesse seria muito difícil encontrar um equivalente a Sete Palmos de Terra.
A Viagem do Elefante (2008)
In illo tempore, os monarcas portugueses não ofereciam serviços Vista Alegre aos seus primos europeus. Presenteavam-nos com elefantes, bicho exótico para austríacos acostumados a vacas. Com este regresso à História, Saramago convenceu os críticos mais contumazes.
Caim (2009)
E porque Saramago nunca foi homem de consensos, a sua despedida da cena literária aconteceu com esta pequena provocação de um adolescente octogenário. O Deus Todo-Poderoso levou aqui uma valente sova, mas não se incomodou. A última palavra é sempre d’Ele e da morte sem intermitências.