Segredos
Cedi à barbárie, como sói acontecer sempre que a oportunidade se me oferece, e sintonizei o novo e polémico reality-show da TVI, A Casa dos Segredos. Uma das coisas mais interessantes no primeiro Big Brother, e dez anos depois já ninguém leva a mal que o reconheçamos, era ver nos concorrentes os efeitos da reclusão e do tédio, a atmosfera progressivamente rarefeita que culminou em fúrias espontâneas, pontapés politicamente incorrectos e uma estranha forma de sexo ocultada sob edredons da moviflor. Agora, fala-se da perda da inocência dos concorrentes, a profissionalização, a consciência do jogo, sem que ninguém se lembre daqueles senhores que, de seis em seis meses, estavam no 1,2,3, no Casa Cheia e noutros programas do género, acumulando chorudos cheques e um arsenal de incontáveis batedeiras, espremedores e moulinexes que dariam para equipar vários restaurantes de dimensão média. Enfim, podemos olhar com nostalgia para os tempos em que os reality-shows tinham uma aura de inocência, lembrar a pacatez pecuária do Zé Maria e a religiosidade sofrida daquela rapariga que foi excomungada pelos pais e dizer que agora é que o mundo está perdido, agora é que a televisão bateu no fundo e demais apocalipsismos. Percebe-se que a interferência da produção do programa é maior, que os executivos querem sangue, querem muito e querem já! Cada concorrente tem um segredo que os outros tentam descobrir. O segredo de um (que afinal eram dois) deles era a existência de um irmão gémeo. Ainda pensei que a coisa pudesse acabar num thriller ginecológico como no filme do Cronenberg, mas os farsantes foram desmascarados por uma perspicaz concorrente que estranhou a relutância do rapaz em mudar de calções ou qualquer coisa assim. Outro dos concorrentes chorava com saudades do mar, ou talvez fosse do bar, porque não consegui determinar se se tratava de um pescador, de um surfista ou de um alcoólico. “Não te preocupes, o mar (ou o bar) tá lá”, dizia-lhe outro, assegurando-lhe que a malevolência da TVI não iria ao ponto de, aproveitando a ausência dele, acabar com mares ou bares. Entre segredos descobertos e depressões revelados, uma concorrente descobria e revelava as nalgas, passeando-se impudicamente entre os colegas. Ocorreu-me de imediato que tal garupa seria a moeda ideal para aceder aos segredos dos restantes, pelo menos daqueles que não estivessem a chorar a distância do mar ou do bar. Em directo, uma concorrente era massajada mais pelos olhos lúbricos do que pelas mãos hesitantes de um macho a sofrer daquilo a que alguém chamou “síndrome do presidiário”. E as coisas ficaram por aqui. No estúdio, estavam Leonor Poeiras e Pedro Granger, que não sei se podem ser considerados avanços em relação a outros programas mas que certamente não justificam os temores quanto ao fim do mundo, o qual, a acontecer, não surpreenderia o precavido e duplamente cronológico Granger. Resumindo: não vejo que a televisão esteja a descobrir novos fundos onde encalhar, até porque, em questão de minutos, eu próprio seria capaz de conceber dois ou três formatos que seriam uma autêntica fossa das Marianas da história televisiva. Esta opinião não é definitiva posto que ainda não vi a actuação de Júlia Pinheiro, que escribas dignos de confiança garantem ser a performance televisiva mais assustadora desde o fim do telejornal da Manuela Moura Guedes ou de qualquer programa apresentado pelo José Figueiras.