7700: final
Pedindo desculpa pelo lamentável atraso, venho então encerrar estas crónicas mundialícias, já bronzeado e germânico. Não se fala de outra coisa. O futuro do futebol está na Alemanha. Comecem a baptizar a pequenada com nomes como Bastian, Miroslav e Thomas ou, se quiserem que a influência chegue diluída, Mesut, Jerome, Sami ou um equivocamente lusitano Manuel. Claro que os vossos filhos têm de comer muita Maizena para não se tornarem versões apenas ligeiramente mais volumosas do diminuto Moutinho; enquanto pais, o vosso dever passa por lhes dar banhos de água fria desde a mais tenra idade e oxigenar-lhes os cabelos para que os rapazes percam aquele ar sofrido do Patrício, de qualquer patrício, e adquiram a reluzente e ubermenschiana intrepidez, nas margens do nazismo, do Neuer. Depois é só juntar três camiões de dinheiro para investir em academias durante 14 anos e o resultado será um campeonato do mundo, uma taça, um planeta rendido à Alemanha, como Hitler sonhou mas não exactamente como Hitler sonhou. O labrego português pode questionar-se, com toda a sua argúcia mentalmente camponesa, se vale a pena investir tanto dinheiro para, no fim, ganhar apenas um pretexto para uma parada, copos e sexo com desconhecidos? A esta estupidez sul-europeia, tacanha e preguiçosa, própria de quem não sabe o que é um Centro de Alto Rendimento, não sabe o que é avistar a maravilhosa taça passeada em autocarro descapotável pelas ruas de Lisboa e não sabe nada de nada, incluindo o que são três camiões cheios de dinheiro eficientemente semeado por todo um país ao longo de 14 anos, o alemão responde lá do alto da estrela da Mercedes onde eles moram que isto não é apenas para ganhar é também para formar a juventude e mantê-la afastada das drogas e, com mais sucesso, da literatura. Que um meio-campo com Schweinsteiger, Khedira e Kroos não é apenas um acidente futebolístico, é o fruto de um projecto civilizacional que não deixa de fora filhos de imigrantes, negros e pessoas como Howedes. O que se celebrou no passado Domingo não foi a vitória de uma selecção sobre outra, foi o triunfo inevitável da vontade, da planificação, da estratégia, do trabalho a longo prazo sobre Gonzalo Higuain, que não só falhou aquele cabrão daquele golo como ainda esteve muito perto de ser assassinado pelo Neuer. Esqueçam tudo e Guardiola. Falem com o Nuno Crato e comecem a ensinar alemão às crianças desde o ensino básico. Imaginem Paulo Bento a falar alemão. Todas aquelas desculpas arrancadas a ferros – a língua portuguesa parece ter sido inventada para as pessoas pedirem desculpas –, justificações, eu-não-me-demitos, teriam o som marcial de uma declaração de guerra. Quando Löw fala são séculos de pensamento e de crítica, de Hegel e de Nietzsche, de zeitgeist, bildungsroman e sauerkraut, que desembocam naquelas palavras, quaisquer que elas sejam. Alguém que fale alemão só pode ser muito inteligente, tem de ser o resultado de um projecto longamente amadurecido, tenazmente executado e eu sei lá mais o quê. Quantas escolas de futebol não tiveram de ser construídas para se chegar a Götze? Quantas horas não foram passadas pelos mais brilhantes cérebros da Germânia para elaborar um Müeller, para conceber um Hummels, para realizar essa definitiva e indestrutível obra de engenharia social e futebolística que é a mannschaft? Pensando bem, para criar um Cristiano Ronaldo foi preciso apenas um ambiente social degradado e umas taponas da dona Dolores, o que me leva a pensar que, mais do que um investimento brutal em centros e planificações, o melhor é entregarmos os nossos filhos à mãe do Ronaldo e à Academia do Sporting.