7700: Minha querida Argentina
Minha pobre Argentina,
Escrevo-te de Portugal, feliz por estares de novo nas meias-finais, 24 anos depois de Diego ter chorado, triste por chegares assim, coxa, sem alegria, clandestina, como uma mendiga a entrar sorrateiramente numa festa. Querida Argentina, a festa é tua, tu és a festa. Não jogues assim, por amor de Deus! Triste, arrastada, com uma única ideia na cabeça – Messi – que maquilha a absoluta ausência de ideias. Bem sei que em Itália também chegaste à final aos trambolhões. Nesse campeonato, os teus adeptos festejaram cinco golos, menos um que o melhor marcador do torneio, uma coisa que aconteceu como certos cometas acontecem e que se chamava Salvatore. Cinco golos em sete jogos, querida Argentina! O teu herói, o nosso herói, foi aquele rapazito Goicoechea, guardião que só foi para a baliza após a lesão do mítico Pumpido e que defendeu penalties de toda a gente que vivia entre os Balcãs e a Sardenha, e só não pôde defender aquele miserável golpe do alemão. Mas essa equipa tinha o Diego, que já não era o Diego de quatro anos antes, era outro, mais lento, mais gordo, mais rato, capaz de quebrar milhões de corações transalpinos e continuar a ser adorado em Nápoles, mas ainda era o Diego, e nós queríamos que ele ganhasse, fosse lá como fosse. Nos mundiais seguintes, já queríamos que jogasses bem porque chegavas carregadinha de astros – Ortega, Redondo, Riquelme, Verón, Saviola, Aimar, Claudio Lopez, Simeone, Maxi Rodriguez, Carlos Tevez, Aguero, Pastore, Crespo, Batistuta – e já não havia Diego para te perdoarmos o mau futebol. Salvo um ou outro jogo, nunca te redimiste e acabaste sempre por cair, jogando melhor ou pior, antes das meias-finais. E agora é aí que te encontras empurrada pelos argentinos de nacionalidade que atravessaram a fronteira mas com os outros, argentinos de coração, de pé atrás por jogares tão pouco que se torna penoso assistir aos teus jogos, somente à espera que marques o golo que te há-de apurar, cada vez com menos esperanças que nos surpreendas e que jogues aquilo que sabes, aquilo que fazia com que valesse a pena chorar por ti quando perdias, querida Argentina. Vá lá, não é difícil, dá-nos só um cheirinho de futebol, só um poucochinho que nos engane, que alimente a nossa ilusão de que em campo és a mais bela, que te compadeces com o sofrimento do adepto que olha para as Alemanhas e para os Brasis e sente uma dor no peito por nunca poder amar aquelas selecções. Vá lá, Argentina, deixa-te de merdas e joga à bola.