A Especulação Imobiliária
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“[…] Quinto já não se sentiu culposamente estranho a este mundo ancestral, mas parte de outro, do qual podia observar aquele com superioridade e ironia: o mundo da gente nova, sem escrúpulos, habituada a manejar o dinheiro.” (p. 73)
Numa entrevista, em 1958, Italo Calvino afirmou que as suas melhores personagens estavam neste conto alargado, A Especulação Imobiliária: “ao empresário daria o Óscar para a melhor personagem objectiva, em termos absolutos, e a Quinto para a melhor personagem subjectiva, semiautobiográfica.” Caisotti, o empresário rústico com o talento sub-reptício para as negociatas, talvez mereça o prémio por ser uma criação tão diferente do seu autor. Mas é de Quinto, o intelectual de esquerda que quer sujar as mãos na realidade, que Calvino aproxima o olhar, levando a leitor a simpatizar com as suas hesitações e os seus falhanços. Facilmente entusiasmado por projectos vagos, deprimido às primeiras dificuldades, Quinto vagueia entre as teorias impalpáveis da sua condição de intelectual e o mundo prático dos negócios, onde vê a beleza das coisas reais. A expansão imobiliária na Riviera italiana é a oportunidade para se envolver no “momento económico”. Admira o avanço do cimento como uma coisa bela por ser nova e violenta, pondo em causa a velha ordem da burguesia da terra, com a sua tacanhez conservadora. Há nesta personagem qualquer coisa de futurista, de fascínio bárbaro pela “modernidade”.
Quinto quer respirar o ar do tempo, nadar com os tubarões, revelando uma vontade tão contrária às suas inclinações naturais que o desfecho não é apenas previsível, mas também justo. Os ideais políticos ficam para trás porque “lançar-se numa iniciativa económica, manejar terrenos e dinheiro era também um dever" (p. 41). O problema é que este anseio de Quinto é mais belo na teoria do que na prática. A realidade, feita de cláusulas de contratos e de construções adiadas, arrefece-lhe o ânimo. “Toda a sua paixão pela prática, pela realidade concreta” acaba num monte de “material inutilizado que não conseguia ser nada, veleidades, tentativas não levadas a cabo.”
O negócio, que tanto prometia, resulta numa casa inacabada que é a representação simbólica da vida de Quinto, também ele um homem inacabado, um projecto falhado que nunca encontra a realidade ideal para se concretizar. Como personagem é, pelo contrário, uma construção quase perfeita. Sem o submeter a um julgamento impiedoso, o autor expõe-lhe as fraquezas e as contradições. Não o podemos detestar porque, através do humor, do tom levemente fraternal, Calvino lembra-nos que Quinto Anfossi, consumido por sonhos e vencido pela realidade, é um dos nossos.