Beleza
Vejo a Marta. Aos oito anos, a Marta era a criança mais linda do mundo. Aqueles olhos verdes. Hoje é apenas mais uma mulher porque ninguém tem tempo para se demorar nos olhos verdes de Marta, sempre verdes, mais verdes. Era tão menina e esperta. Muito viva. Sabia que tinha aqueles olhos verdes. Quando tinha quinze anos engravidou do primeiro namorado. Caminha com a pressa das responsabilidades domésticas - o cabelo já foi mais forte – esquecida dos olhos verdes que ainda são ela. Vejo a Patrícia. Não havia adolescente mais bela. As amigas, na tagarelice da fealdade, falavam muito. A Patrícia cumpria na perfeição o papel de bela silenciosa. Está ali, a comer um corneto, menos bela, ainda que o rosto seja o mesmo, impassível, como se ao longo de todos estes anos Patrícia não tivesse falado uma única vez. Marta e Patrícia entram ao mesmo tempo no barco. Dois pontos de beleza que me acompanham há anos cruzam-se neste instante que vale um milagre. Milagre que só me acontece a mim porque os outros vêem apenas duas mulheres a entrar no barco. Para mim são os olhos verdes de Marta, os olhos verdes de Patrícia, a certeza de que a beleza existe e há-de durar muito depois de nós.