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"Se ele for para a Suiça, não lhe guardo as vacas", David Queiroz, pai de António, vencedor da Casa dos Segredos

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28
Ago17

A vida ao ritmo das redes sociais

Bruno Vieira Amaral

A presidente da CIG afirmou que a decisão de recomendar a retirada dos livros da Porto Editora do mercado foi uma resposta ao clamor nas redes sociais: “nós recomendámos tendo em conta a polémica que estava nas redes sociais […] recomendámos à Porto Editora que pudesse retirá-los para apaziguar de alguma forma os ânimos e permitir com alguma serenidade olhar para os conteúdos”. Ou seja, primeiro recomenda-se a suspensão da venda e depois é que se vai olhar com alguma serenidade para os conteúdos. Teresa Fragoso nem sequer precisava de dizer que foram as redes sociais a impor uma decisão rápida, mas, ao mesmo tempo, procurou demonstrar quão perniciosas eram as diferenças entre os livros escolhendo os exemplos mais convenientes, fazendo o que se chama cherry picking. Ricardo Araújo Pereira fez o exercício contrário e demonstrou o que já sabíamos: o clamor nas redes sociais é, quase sempre, o ruído da ignorância, quando não da má-fé. Os indignados querem indignar-se e não admitem que os factos sirvam de corta-fogo aos incêndios virtuais. Houve quem exigisse saber o nome dos autores dos livros, certamente com propósitos pedagógicos de humilhar, insultar e ofender, mas provando que nem sequer tinham visto os tais blocos de actividades, não que isso interesse muito quando a indignação, como os incêndios de Verão, já está descontrolada e tem várias frentes activas. A Porto Editora, também atordoada, foi lesta a anunciar a retirada dos livros do mercado, sempre ao ritmo imposto pelas redes sociais. Agora parece que mudou de estratégia, mas, quanto a mim, o mal estava feito: a obediência imediata teve o cheiro da capitulação ou, ainda pior, da minimização de danos, expressão corriqueira nos departamentos de comunicação das empresas sempre que as chamas das redes sociais lhes chegam às portas. Como era de esperar, aquele momento didáctico de Ricardo Araújo Pereira teve já uma grande repercussão, mas nem isso foi suficiente para aplacar a fúria justiceira de alguns. “Está bem, o caso não é assim tão grave, mas a luta pela igualdade de direitos é justa e isso é que interessa”, dizem, e siga para bingo. Logo após estalar a polémica, o pediatra Mário Cordeiro deu uma entrevista ao Expresso em que dizia não estar de acordo com a recomendação e sustentava a sua opinião. Respostas de alguns indignados: é faccioso, deve ter interesses obscuros para ser tão parcial, não gosto da pinta dele. Porém, aquilo que na minha opinião é mais grave é constatar a facilidade com que milhares de pessoas aceitaram a bondade de uma recomendação para a retirada de um livro do mercado. Dou de barato a ignorância em relação ao conteúdo dos livros. Afinal, ninguém frequenta as redes sociais à espera de encontrar opiniões fundamentadas e que resultem de uma análise aprofundada dos factos. Mas é preocupante que uma tal recomendação encontre semelhante acolhimento numa sociedade. Recomendar a retirada de um livro do mercado (aos que, em defesa da CIG, dizem que não é uma proibição mas uma simples recomendação, realçando a bondade das intenções da comissão, lembro que, felizmente, esta não tem poderes para decretar a proibição de um livro, mas é claro que se tivesse, isso também não perturbaria muita gente) é uma decisão grave que não pode ser tomada num clima definido pela excitação das redes sociais. Poderia até ser justa (e já se provou que não é), mas isso dificilmente aconteceria quando a presidente da comissão admite que o ruído das redes teve um peso decisivo na recomendação. Estas indignações são cíclicas e de curta duração, mas, enquanto duram, criam a ilusão de ocupar todo o espaço mediático disponível. É assim o tempo das redes sociais, mas não pode ser esse o tempo de um comissão como a CIG, por uma vez transformada em tribunal instantâneo das boas práticas editoriais. A CIG solicitou pareceres independentes para fundamentar a decisão? Em que consistiu a “avaliação técnica” que diz ter feito? Ouviu a editora? Ouviu os autores? Fez uma análise de outras publicações equiparáveis? Não fez porque esse processo requer tempo e quando o tempo é fixado pelas redes sociais nunca há tempo. Não se pode “pedir às redes sociais” que respirem fundo, reflictam e só depois se pronunciem. Mas isso é o mínimo que se pode exigir a um organismo público que recomenda, com certa leveza de espírito, que um livro seja retirado dos pontos de venda.

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