Fernanda Borsatti
Há actores que precisam de uma voz extraordinária, de saber dançar, de mil e um talentos, gente versátil que faz comédia e drama, e há outros que nascem actores mesmo que nunca venham a pisar um palco, a ter uma câmara apontada na sua direcção. Têm presença e carisma. Vejam, presença e carisma remetem para o religioso e haverá nessas pessoas algo de original, de arquetípico e de irredutivelmente estranho, como nas efígies quase irreconhecíveis de moedas recuperadas por arqueólogos. São pessoas cujos rostos se gravam na nossa memória, que nos inquietam como se contivessem uma qualquer qualidade essencial e terrível. Peçam-me para dizer uma personagem memorável que Fernanda Borsatti tenha representado e tenho de confessar que não sei. Mas aquela cara tinha em si todas as Ifigénias, Antígonas, Ladies Macbeth, Cleópatras, era uma cara contemporânea de todas as tragédias do passado. Faltava-lhe a beleza previsível e banal da burguesia, indispensável a certos papéis delicados e esquecíveis, mas, como escreveu Agustina, “certa beleza da burguesia é vulgar e não [vale] os atávicos defeitos duma raça”. Diz-se que o rosto e as suas linhas contam a história do indivíduo. O de Fernanda Borsatti contava a história de impérios desaparecidos, de linhagens moribundas e persistentes, não importa quais.